Injetados com medo: Experimentação humana
21 de fevereiro de 2024Por que razão a Alemanha estava interessada em encontrar soluções médicas para as colónias?
Durante as décadas de 1870 e 1880, as nações europeias lutaram para adquirir territórios em África. Os imperialistas sabiam que, para controlar territórios, era necessária presença. Mas doenças como a malária dizimaram de tal forma os europeus nas recém-criadas colónias dos Camarões e do Togo que muito poucos conseguiram estabelecer-se para além das costas.
Com a chegada dos europeus, também os povos africanos foram expostos a novas doenças, como a varíola, por exemplo. Na hora de tratar estas pragas, os médicos alemães viram uma oportunidade para experimentar tratamentos e medicamentos que ainda não tinham sido testados. Ao mesmo tempo que faziam estas experiências, minimizavam as perdas de mão de obra colonial necessária para a construção das colónias.
Varíola na Togolândia
Na década de 1880, já existiam na Europa vacinas eficazes contra a varíola. De facto, em 1874, o Império Alemão tinha até uma campanha de vacinação contra a varíola obrigatória.
Uma epidemia de varíola na Togolândia fez com que aldeias inteiras na região de Lomé morressem da doença no início dos anos 1900. Os médicos coloniais responderam com a administração de vacinas ineficazes que já tinham expirado.
Mesmo quando se tornou claro que a campanha de vacinação não estava a funcionar, os habitantes locais foram obrigados a tomar as vacinas, muitas vezes à força. Em 1911, os médicos coloniais finalmente pararam, investigaram e alteraram o seu processo de vacinação. Em 1914, a ameaça da varíola tinha sido severamente reduzida. Mas o mal estava feito e perdeu-se a confiança nos médicos alemães.
Qual foi o papel de Robert Koch na medicina colonial?
O Dr. Robert Koch foi um investigador galardoado com o Prémio Nobel, que fez descobertas cruciais no combate a doenças mortais como a tuberculose, o carbúnculo e a cólera. Muitos chamam-lhe o pai da microbiologia. Ao longo do século seguinte, os avanços médicos baseados na sua investigação salvaram milhões de pessoas em todo o mundo. Mas há um lado sombrio no legado de Koch.
Em 1906, a doença do sono invadiu a região dos Grandes Lagos, na África Oriental. Trata-se de uma doença que afeta o gado e os seres humanos – e neste caso, tinha o mesmo impacto nos habitantes locais e oficiais coloniais. A doença do sono é transmitida pela picada da mosca tsé-tsé, mas na altura ninguém sabia como a travar. Matou mais de 250 mil pessoas no início do século e afetou a maioria das famílias na região.
Apesar de serem potências coloniais concorrentes, a Grã-Bretanha e a Alemanha receavam que a falta de mão de obra pusesse em causa projetos de infraestruturas de grande escala. Por isso, Robert Koch foi enviado para a África Oriental para fazer o que fosse preciso para encontrar uma cura para esta doença. Os interesses financeiros, científicos e imperiais da Alemanha estavam em jogo.
Porque é que as ações de Koch foram controversas?
Koch levou uma seleção de medicamentos que lhe tinham sido fornecidos por várias empresas farmacêuticas e que, até então, só tinham sido testados em animais em laboratórios europeus, quando muito. Instalou-se nas ilhas Sese, no Lago Vitória. Ele precisava de pacientes infetados com a doença, apesar de, na altura, haver já registo de casos nesta região.
O investigador conseguiu que trouxessem doentes em massa, embora se suspeite que muitos foram levados para o campo de Koch à força.
As condições neste campo eram más e Koch começou a injetar nos doentes um medicamento que continha arsénico, chamado Atoxyl. Quando não funcionava, Koch aumentava a dose. Os pacientes sofreram dores fortes, cegueira e uma em cada dez pessoas morreu.
Mesmo depois de regressar à Alemanha em 1907, Robert Koch continuou a recomendar o Atoxyl para a doença do sono, e as autoridades coloniais aceitaram. Criaram mais campos na África Oriental, nos Camarões e no Togo.
Os campos como palco de ensaio para curas
Robert Koch sugeriu a utilização dos chamados campos de isolamento, uma versão que tinha sido utilizada pelo Exército britânico para combater doenças na África do Sul durante a guerra dos bôeres ou Guerra Anglo-Boer. Os campos serviam para isolar os doentes das suas famílias. Caso não houvesse cura para a doença, os doentes ficavam isolados nestes campos até à morte. Koch chegou mesmo a defender a construção de campos na África Oriental como uma forma viável de testar novos medicamentos em doentes.
Esta experimentação humana não era permitida na Europa. Mas a natureza racista da política colonial considerava os africanos dispensáveis.
Foi encontrada cura para a doença do sono?
Sim. Em 1916, foi disponibilizado um medicamento chamado Bayer 205 ou Germanin. O antigo assistente de Koch, Friedrich Karl Kleine, testou o medicamento em habitantes locais do norte da Rodésia, atual Zâmbia, em 1921. O novo medicamento teve uma taxa de cura de quase 100%. Não foi utilizada uma única dose de Atoxyl.
As experiências de Koch nas ilhas Sese estão longe de ser uma exceção na era colonial. O bem-estar dos pacientes não era uma prioridade, mas sim a eficácia de certos medicamentos, e os africanos revelaram-se cobaias.
Os medicamentos desenvolvidos pelas potências coloniais salvaram inúmeras vidas em África. Mas o seu desenvolvimento ocorreu numa altura de desigualdade cruzada, em que o abuso de cobaias africanas era galopante. Os traumas em torno da experimentação humana lançaram uma longa sombra sobre a confiança na medicina ocidental que ainda não foi totalmente reconhecida.