Repatriamento de capitais: Irá Portugal cooperar com Angola?
11 de abril de 2018Angola anunciou que já recuperou os 500 milhões de dólares transferidos, de forma ilícita, para uma conta bancária em Londres, no Reino Unido, numa operação que envolveu José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos. De acordo com o Ministério das Finanças angolano, o valor em causa já está na posse do Banco Nacional de Angola, "como resultado de várias diligências" junto das autoridades britânicas.
À margem de uma mesa redonda sobre a lei do repatriamento de capitais aprovada pelo Governo de João Lourenço, que decorreu em Lisboa, a DW África tentou saber junto de dois académicos se Portugal pode cooperar com Angola no processo de repatriamento de capitais, a exemplo do que fez o Reino Unido.
Para o professor Eduardo Vera-Cruz, a questão é se Portugal quer cooperar. "Falta saber se Portugal está disposto e para isso é que há a diplomacia e a política para que as condições sejam criadas. Estando criadas as condições pode ser uma grande ajuda", refere.
Relações "frias"
Eduardo Vera-Cruz explica que tudo dependerá de um eventual pedido formalizado pelas autoridades competentes de Angola. No entanto, o académico angolano considera que é "uma péssima altura para isso", uma vez que as relações entre os dois países atravessam uma fase má, devido a processos judiciais a decorrer que envolvem portugueses e altas figuras da elite angolana, como a Operação Fizz.
Cátia Miriam Costa, investigadora do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), também refere as relações precárias entre os países. Lembra que Portugal tem denunciado alguns casos e nomes, como o do ex-vice-Presidente de Angola Manuel Vicente, e isso nem sempre é bem visto do lado angolano.
"Quando são altas figuras, muitas das pessoas que extraíram capitais, legal ou ilegalmente de Angola foram pessoas ligadas ao poder político ou estreitamente protegidas pelo poder político. Agora tudo depende da relação que essas pessoas mantêm com o atual poder", comenta.
Lei pouco punitiva e transparente
À semelhança de muitos cidadãos angolanos, a académica portuguesa deixa críticas à nova lei angolana de repatriamento de capitais, nomeadamente por por não haver uma publicitação e punição dos principais responsáveis.
"É dado um período para as pessoas declararem livremente e sem qualquer castigo, ou seja, sem qualquer efeito pelo facto de terem retirado ilegalmente capitais ou adquirido património com capitais retirados ilegalmente de Angola", explica à DW.
Cátia Costa lamenta também a falta de transparência, uma vez que ainda não se sabe que parte de capitais que vão ser recuperados e como é que eles vão voltar a Angola. O que pode dificultar a deteção de transferências ilegais.
"Os países dentro da União Europeia (UE) - e não só Portugal - obrigaram-se a relatar ao Governo de Angola todas as situações irregulares que detetassem. Esta opacidade limita de certa forma a execução da própria lei. A não ser que o sistema judicial angolano consiga localizar todas as fugas que existiram e consiga, realmente, que elas retornem ao país, a Angola2, afirma.
Cátia Costa e Eduardo Vera-Cruz foram oradores na primeira sessão de uma mesa-redonda a decorrer no ISCTE, para debater a nova lei para o repatriamento de capitais no estrangeiro aprovada pelo Governo angolano. A iniciativa, promovida em parceria com a Plataforma de Reflexão Pensar Angola, visa perceber os mecanismos que o Governo do Presidente João Lourenço pode usar, no âmbito da cooperação internacional, para a recuperação do capital exportado de forma ilegal para o exterior.