Grandes Lagos: "João Lourenço procura legitimidade externa"
6 de julho de 2022Luanda foi palco, esta quarta-feira (06.07), de uma cimeira que reuniu os presidentes da República Democrática do Congo (RDC) e do Ruanda, sob a mediação de João Lourenço na qualidade de presidente em exercício da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos. O objetivo? Tentar alcançar uma solução para a crescente tensão entre Kigali e Kinshasa, que se acusam mutuamente de apoio a grupos rebeldes.
Questionado sobre se o sucesso nesta mediação poderá trazer benefícios à imagem de João Lourenço no exterior, o politólogo angolano Olívio N'Kilumbo é peremptório: o objetivo do chefe de Estado angolano passa por "tentar pacificar uma zona onde o Ocidente tem dificuldade de se impor".
Ou seja, considera o mesmo analista, João Lourenço busca legitimidade externa, algo que, explica, se consegue "com ações em termos de intervenção nos espaços internacionais".
Na opinião de Olívio N'Kilumbo, João Lourenço não conseguiu, no entanto, "ser útil à RDC, em particular, ao não ter conseguido impedir o embargo de armas, que seria uma das formas fundamentais de combater a rebelião na região em causa".
DW África: Até onde pode ir a influência de João Lourenço, enquanto presidente da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos (CIRGL) na mediação deste "conflito"? Que balanço podemos fazer até agora?
Olívio N'Kilumbu (ON): Quando João Lourenço chegou ao poder, ele objetivou duas coisas: olhar para a região dos Grandes Lagos e olhar, sobretudo, para a República Democrática do Congo. Porque a RDC é mais próxima de Angola e Angola tem alguns interesses no Congo, embora esses interesses sejam pouco claros. Como se sabe, Angola participou em várias guerras, influenciando as saídas dos chefes de Estado na RDC, no Congo Brazzaville e também na Zâmbia.
Mas há que lembrar uma coisa: João Lourenço não tem uma habilidade política comparável à de José Eduardo dos Santos, que teve muito tempo para se transformar no político que foi. Na altura, só não se deram passos mais significativos porque não havia dinheiro em Angola. Agora que há algum fôlego financeiro é que se está a usar isso para melhorar a imagem a nível de política externa. É o que está a acontecer agora com João Lourenço. Capacidade de resolução, como tal, não vejo muita nele. Mas há um histórico de diplomacia de Angola, e também alguma capacidade financeira, que poderá jogar a favor de João Lourenço.
DW África: Portanto, a imagem de João Lourenço no exterior pode sair beneficiada desta mediação…
ON: Sim, João Lourenço está a tentar tirar vantagens a nível externo, está a tentar pacificar uma região onde o Ocidente tem dificuldade de se impor. Mas até agora ele não conseguiu ser útil à Republica Democrática do Congo, em particular, ao não ter conseguido impedir o embargo de armas, que seria uma das formas fundamentais de combater a rebelião na região em causa. Se fosse uma diplomacia tão eficiente, ter-se-ia evitado que o embargo efetivo fosse imposto sobre a RDC. Outra questão é a capacidade de manobra do líder do Ruanda, que, do ponto de vista do carisma, é uma figura muito mais bem apetrechada que João Lourenço.
DW África: Esta mediação pode ser utilizada por João Lourenço como plataforma eleitoral neste período de pré-eleições?
ON: Claro que isso também é verdade. João Lourenço procura sobretudo legitimidade externa. As eleições em Angola não servem para eleger o MPLA. O MPLA depende da legitimidade externa, isso está provado cientificamente. Os regimes autocráticos dependem da legitimidade externa, precisam de encontrar espaços lá fora. Dependem também de que os Estados estrangeiros reconheçam os resultados eleitorais. E isto é feito em termos de intervenções em espaços internacionais. E é isso que João Lourenço procura...
DW África: Portanto, é do interesse de Angola que deste encontro em Luanda saia algo de concreto para minimizar a tensão entre Kigali e Kinshasa?
ON: Sim, é do interesse de João Lourenço em particular. Se é também de Angola, não sei. Se agora se conseguisse uma solução airosa para o conflito na região dos Grandes Lagos, isso comprovaria a capacidade de João Lourenço de apaziguar conflitos internacionais.
DW África: Mesmo que não consiga fazer o mesmo no seu próprio país, que tem sido a grande crítica interna…
ON: Absolutamente. Os regimes autocráticos não dependem das situações internas. João Lourenço não está interessado no que se passa aqui dentro. Ele apenas precisa que lá fora se consiga ver que ele tem capacidade de influencia externa. Só.