Guiné-Bissau: "Jomav empurra o país para uma desordem"
31 de outubro de 2019A Guiné-Bissau, com a atual crise política provocada pela demissão do Governo, após decreto presidencial, está diante não apenas do adiamento das eleições: o estado de desordem está instalado, o que pode degenerar para situações mais graves, até mesmo numa guerra. É a opinião do analista polícito guineense Rui Jorge Semedo.
Em entrevista à DW África, o analista diz ainda que o Presidente José Mário Vaz é o patrocinador desta situação, tendo conseguido superar todos os seus antecessores em termos de desrespeito à separação de poderes vigente no país.
DW África: Quais são as razões e implicações da decisão do Presidente José Mário Vaz de demitir o Governo de Aristides Gomes?
Rui Semedo (RS): Segundo o decreto presidencial, a razão do Presidente é a forte crise política institucional que não chegou a mencionar. Sabemos que a gota de água que fez transbordar o copo foi a manifestação do passado sábado que supostamente originou uma morte não comprovada. No entanto, o Presidente da República aproveitou esta situação para decretar a queda do Governo. Também acompanhamos a denúncia feita pelo primeiro-ministro de que estava em marcha um golpe de estado, apesar de não ser de fórum militar, mas pode ser enquadrado dentro dessa perspetiva, já que o Presidente da República, do ponto de vista constitucional, não tinha poderes para decretar a queda do Governo. Portanto, são jogos políticos que visam sobretudo a corrida eleitoral, mas também de uma parte da oposicão não está preparada para o embate e procuraram de forma anticonstitucional mecanismos para adiar as eleições.
DW África: A propóstio do golpe de Estado, o Presidente guineense diz ter trazido a estabilidade e ter acabado com os golpes de Estado na Guiné Bissau. Como avalia a posição dele em comparação com o cenário atual que se vive no país?
RS: Não houve golpe nesses aproximadamente seis anos, porque na Guiné Bissau há uma força de manutenção de paz da CEDEAO [Comunidade Económica da África Ocidental]. Esse é o primeiro aspeto a considerar. O segundo aspeto é que durante o seu mandato o Presidente da República deu golpes palacianos. Ou seja, recusou os resultados das eleições de 2014, após ter demitido o Governo saído dessas mesmas eleições. E não devolveu o poder ao partido vencedor dessas eleições, conforme recomenda a Constituição da Guiné-Bissau. O Presidente da República durante todo esse mandato mostrou dificuldades em cumprir com as leis do país e com os acordos internacionais para ultrapassar a crise, assim como agora no último acordo que ele que assinou durante a cimeira de chefes de estado da CEDEAO. Agora contabilizamos oito Executivos durante cinco anos. Por isso, não se pode vangloriar como tendo concedido ao país um período de paz e estabilidade. O país está a viver sucessivamente durante a sua presidência uma instabilidade cujas consequencias são imprevisíveis. E o principal culpado de um instalar da desordem será o Presidente da República e mais ninguém.
DW África: A postura do Presidente, de demitir este e empossar aquele, não será uma tentativa de ele querer ser o Presidente e chefe de Governo ao mesmo tempo, apesar de não ser esse o sistema?
RS: Sim, foi essa a atitude que sempre norteou a presidência de José Mário Vaz. Ele por diversas vezes "dizia meu Governo", talvez por dificuldades de fazer a separação do papel do Presidente da República no sistema semi-presidencialista e no sistema presidencialista. A Guiné-Bissau adotou o sistema semi-presidencialista com a separação clara de poder, mas na sua recente história democrática os sucessivos Presidentes têm tido dificuldades em trabalhar e em agir no quadro que a Constituição lhes concede. Mas desta vez o atual Presidente excedeu, conseguiu superar todos os seus antecessores, batendo recorde em tudo: demitiu oito primeiros-ministros, três procuradores-gerais da República e só não demitiu o chefe do Estado-Maior porque há uma aliança implícita entre estas instituições para o Presidente continuar a fazer as suas investidas.
DW África: O Presidente empossou o novo primeiro-ministro, entretanto Aristides Gomes continua as suas funções normalmente. Quem é o primeiro-ministro da Guiné-Bissau na prática?
RS: É o primeiro-ministro reconhecido pela Constituição da República, saído das eleições de 10 de março passado. Esse é um ponto. O outro ponto é que a comunidade internacional, como a CEDEAO e alguns países que estão a acompanhar a evolução da situação política, como Portugal, reconhecem o Governo saído das eleições.
DW África: O que significa essa situação para os cidadãos guineenses que têm o primeiro-ministro apoiado pelo Presidente e o outro que se recusa a deixar o cargo e recebe diversos apoios importantes, inclusive da comunidade internacional. Como é que isso será na prática?
RS: Apesar de o país estar neste momento dividido, é muito evidente que a maior parte dos guineenses defenda o Governo constitucional e não o Governo que acabou de ser nomeado pelo Pesidente da República. Neste momento, o sentimento do guineense é que o senhor Presidente está a empurrar o país para uma desordem que pode degenerar em caos.
DW África: Qual é a solução para esta situação?
RS: É só o Presidente cumprir com aquilo que está na Constituição da República e com o compromisso que ele assumiu durante a conferência dos chefes de Estado da CEDEAO. Deve reconsiderar a sua posição, deixar que o Governo constitucional continue a fazer o seu trabalho e a oposição também tem de fazer o seu trabalho, apontando os erros da governação, porque essa é a essência da democracia.
DW África: O senhor disse que o país está a ser empurrado para uma crise que pode descambar numa guerra civil e disse também que é imprevisível o que pode vir agora a acontecer. Quais são as suas expetativas para os próximos desenvolvimentos?
RS: Minha expetativa é que esta decisão do Presidente da República não tenha pernas para andar. Temos um partido que ganhou as eleições e independentemente de estarmos de acordo ou não, o importante na democracia é respeitar os resultados eleitorais. Vamos desenvolver a cultura democrática, deixar quem ganhou governar. Se não observamos isto continuaremos a dar sobressaltos e a derrubar governos.