Jornalistas temem pela liberdade de imprensa em Angola
13 de setembro de 2021O jornalista António Salatiel diz que tem uma das profissões mais difíceis na província angolana de Malanje. Ele é repórter há sete anos na rádio Ecclesia, a emissora Católica de Angola.
Em entrevista à DW África, conta que já foi suspenso de funções duas vezes, supostamente por ter fugido à "linha" editorial e abordar temas polémicos.
"Nós sentimos represálias muitas vezes. Passei por uma situação em que até fui suspenso da rádio na véspera da visita do Presidente da República [João Lourenço]. Eu dei voz aos ativistas que se mostravam insatisfeitos com algo da governação local e isso pesou-me bastante", recorda.
Na altura, a rádio Ecclesia alegou que o profissional cometeu um ato de indisciplina. "Aproveitando-se da presença do Presidente da República, ele deu voz aos ativistas a ofenderem-no em direto numa rádio da Igreja. Houve mesmo uma indisciplina por parte do Salatiel", justificou Justino Ngodi, diretor de informação daquele órgão de comunicação.
Mas António Salatiel diz que os problemas não se ficam por aqui. O profissional de rádio revela que também já foi alvo de ameaças "dos gabinetes provinciais".
"Muitas vezes, nós recebemos ligações, às vezes ameaças, a dizer que não podemos publicar aquilo, porque [se publicarmos] o próprio não nos dá acesso a fontes", assevera.
"Vai ter problema"
O clima de pressão afeta também os jornalistas dos órgãos de comunicação públicos, comenta Roque Milton, que trabalha na agência noticiosa Angop.
"Nós aqui, ao nível de Malanje, já sofremos esse tipo de pressões. Ligam e [perguntam] se aquela matéria, se lançar, não vai comprometer o partido ou o Governo. Dão berros até. E ameaçam: 'se você lançar aquela notícia, vai ter problema'", descreve.
A pressão leva os jornalistas a sentirem-se obrigados a "engavetar" temas, sob pena de sofrerem duras represálias.
Dito Tavares, editor de notícias da Rádio Nacional de Angola em Malanje, diz que já sofreu repercussões depois de ter publicado algumas matérias, como por exemplo em 2016, depois de ter feito uma reportagem sobre as dificuldades em que vivia a palanca negra gigante, uma espécie antílope de Angola.
"Há sempre esta pressão. Quando publiquei esta matéria, [houve] muita pressão por parte do Ministério do Ambiente e do pessoal do parque. Mas eu tinha todas as provas, eu busquei todas as partes", frisa.
Governo local rejeita intimidações
Custódio Fernando, diretor do departamento de Comunicação Social do governo de Malanje, rejeita que a liberdade de imprensa esteja em causa na província.
"Em nenhum momento o governo provincial de Malanje interfere nas redações. Das instituições que fazem parte do governo provincial de Malanje, posso-lhe garantir que não tem havido censura", afirma.
"Temos feito o máximo possível para que as fontes estejam disponíveis", acrescenta.
O Sindicato dos Jornalistas Angolanos disse em agosto que vai avançar com um projeto para fiscalizar a atividade jornalística no país, para ver até que ponto a liberdade de imprensa está ou não a ser respeitada. O sindicato mostrou-se preocupado com o número crescente de processos contra jornalistas em Angola.