Judeus na África do Sul sentem-se abandonados
26 de fevereiro de 2024É uma manhã ensolarada de domingo no bairro de Glenhazel, em Joanesburgo. Um grupo de homens conversa à sombra. Uma família aproxima-se de um café - os quatro rapazes usam quipá, a cobertura judaica para a cabeça. Mas, a poucos metros de distância, há mais de 100 cartazes afixados na parede de um edifício, testemunhando violência e terror.
A palavra "raptado" está escrita sobre um fundo vermelho por cima de cada fotografia de pessoas sequestradas pelo grupo islamista Hamas em Israel, a 7 de outubro, e posteriormente assassinadas ou levadas como refém para a Faixa de Gaza.
A Alemanha, a União Europeia, os Estados Unidos e outros países classificam o Hamas como uma organização terrorista. Nalguns cartazes, há agora pequenos autocolantes com a frase "Estou em casa"; noutros, uma fotografia de velas de luto.
"Foi comovente quando os afixámos", diz Joel Baum à DW, que gere um supermercado de alimentos kosher. Os posters foram colocados na parede exterior da loja. "Foi numa sexta-feira, muitas pessoas vieram e participaram", acrescenta.
Herança do apartheid
Nada em Israel permanece igual desde o ataque terrorista do Hamas. O país está em guerra. O Exército quer destruir as estruturas do Hamas e está a bombardear maciçamente a Faixa de Gaza, onde já morreram dezenas de milhares de civis.
O 7 de outubro também deixou a sua marca na África do Sul: O Governo posicionou-se claramente do lado dos palestinianos e acusou Israel de genocídio no Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas.
A proximidade do Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), partido no poder na África do Sul, com os palestinianos remonta aos anos 1960 e 1970, quando Nelson Mandela e os seus camaradas lutavam contra o regime do apartheid e estabeleciam paralelismos com a causa palestiniana.
Anos depois do Holocausto, muitos judeus sul-africanos apoiaram as vítimas do regime racista do apartheid. Alguns judeus sul-africanos criticaram também o tratamento dado por Israel aos palestinianos. E hoje em dia os cerca de 60 mil judeus sul-africanos têm um Governo que mostra pouca empatia para com as vítimas judias do terror.
"Não concordamos com a política"
"Não concordamos com a política neste momento. E a política tem a sua própria dinâmica. Mas vamos esperar para ver, haverá eleições em breve", diz o gerente de supermercado Joel Baum.
As eleições legislativas na África do Sul estão previstas para maio e é possível que o ANC perca a sua maioria absoluta, pela primeira vez desde o fim do apartheid.
A escalada do conflito no Médio Oriente teve pouca influência para o supermercado de Baum - no máximo, foi afetado pelas restrições ao comércio global, porque as milícias Houthi do Iémen estão a perturbar as rotas comerciais internacionais. Isto também se aplica à segurança: "Se quisermos ir à sinagoga ao sabat, por exemplo, não há problema. Mas há receios - seria ingénuo dizer o contrário".
Em comparação com a Europa, por exemplo, a África do Sul tem tradicionalmente um nível muito mais baixo de ataques antissemitas. No entanto, desde 7 de outubro, o Conselho Judaico Sul-Africano de Deputados (SAJBD, na sigla em inglês) notou um aumento acentuado: de outubro a dezembro de 2023 foram contabilizados 139 incidentes, na sua maioria de natureza verbal – seis vezes mais do que no mesmo período do ano anterior. Em 2023, houve também seis ataques físicos a pessoas – foi de longe o valor mais alto registado.
O rabino Moshe Silberhaft conta à DW que teve experiências antissemitas nas últimas semanas: recentemente, num cemitério judeu na província de Free State, três homens num carro que passava por ele insultaram-no a gritar "judeu" e "devias voltar para Israel".
O rabino ortodoxo cuida das comunidades judaicas em toda a África Austral. Ele diz que foi na África do Sul que o clima mais se alterou: "As pessoas aqui atrevem-se agora a expressar opiniões antissionistas porque sabem que o Governo as apoia".
Moshe Silberhaft diz que os insultos verbais ainda poderiam ser toleráveis, mas o rabino receia que os membros da sua congregação possam vir a ser alvo de ataques físicos. Por isso, defende uma certa contenção: "Desde 7 de outubro, temos de ser um pouco mais cuidadosos com o nosso comportamento, incluindo quando se trata de mostrar a nossa fé". Mas não se trata de viver com medo ou de se retrair. "Falar quando necessário é importante. Mas tem de ser bem pensado e ponderado," afirma.
"Uma bofetada na cara"
Gabriella Farber-Cohen quis falar. Numa declaração pública em meados de outubro, a antiga porta-voz da Liga das Mulheres do ANC na província de Gauteng apresentou a demissão ao partido. O facto de o seu Governo não ter condenado os ataques do Hamas durante vários dias foi inaceitável para ela: "Para mim, foi o mesmo que desrespeitar a minha própria vida. Sou judia, se vivesse em Israel, podia ter sido eu a ser morta, raptada ou violada".
Para ela, o facto de a África do Sul acusar Israel de genocídio contra os palestinianos e ter levado o caso a Haia foi como uma "bofetada na cara de todos os judeus da África do Sul".
Farber-Cohen tem forte esperança nas eleições – e que a elite política seja afastada do poder. Em última análise, é o Governo que não está do lado dos judeus, não o povo da África do Sul, comenta.
Depois das eleições, Farber-Cohen quer encontrar um novo partido político: "Como Zev Krengel, do SAJBD, disse uma vez: ser um sul-africano orgulhoso significa acordar todos os dias e contribuir para uma África do Sul melhor."
No seu supermercado, Joel Baum também apela à coesão social: "Nós, sul-africanos, sobrevivemos a muitas fases difíceis". Ele recorda os banhos de sangue nas townships no final do apartheid, a libertação de Mandela e as primeiras eleições democráticas: "Resistimos a tudo e vamos continuar a resistir. Há opiniões diferentes entre nós, 60 milhões de sul-africanos. Mas encontraremos um denominador comum," conclui.