Zambézia acompanha "novela imperdível" das dívidas ocultas
31 de agosto de 2021Começou há mais de uma semana o julgamento das chamadas dívidas não declaradas em Moçambique. Em causa estão mais de dois mil milhões de dólares de empréstimos sem a autorização do Parlamento. O processo é o tema do momento nas esquinas, barracas e mercados e em muitos outros locais públicos de Quelimane, na província da Zambézia.
Até agora, a maioria da população da cidade está muito satisfeita com o decorrer do julgamento. "O processo está a decorrer normalmente para Moçambique. É uma nova era para nós, outrora não era comum julgar esse tipo de [casos], julgar entidades, figuras muito fortes", diz um morador.
"Desde que começaram as audiências, é preciso dizer que estão sendo bem conduzidas. O juiz está sendo cauteloso, pelo menos consegue ser um bom ouvinte. Ele deixa que os arguidos falem o que sabem, até mesmo mentir", considera Rogério Waru Waru, membro do Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
Waru Waru não vê "nenhum problema", apenas "uma boa condução" do julgamento. "Se isso continuar assim, vamos dizer que a justiça será aplicada, apesar de ontem ter havido um pouco arrogância pela parte do réu, filho do ex-Presidente, mas o juiz foi muito ponderante", lembra.
"Está em julgamento o Estado e a FRELIMO"
O analista político Ricardo Raboco considera imperdíveis as sessões do julgamento das dívidas ocultas de Moçambique. "Perde quem não assiste, não aprende quem não quer. Está em julgamento o Estado e o partido que governa o Estado [a FRELIMO] desde a independência nacional", afirma.
Por via disso, acrescenta, "tem alimentado um conjunto de expetativas que vão no sentido de: será desta que esta promiscuidade entre elites políticas ligada ao partido e que usa o Estado para prosseguir fins próprios serão disciplinadas? Entretanto, não vamos cantar vitórias vamos esperar para ver."
Manuel de Araújo, edil de Quelimane, não vê com bons olhos o julgamento destas dívidas contraídas com garantias do Estado moçambicano. "Pessoalmente, não tenho muitas esperanças porque o nosso judiciário ainda não é independente do Executivo", diz.
Araújo aponta ainda vários exemplos em que vários processos acabaram por ser "transformados em processos políticos" e não em processos judiciais como devia ser. "Numa situação em que o poder judicial ainda não é dependente, penso que é um desafio que queremos lançar para uma luta no sentido de libertarmos o nosso judiciário que está amarrado e acorrentado ao Executivo", conclui.