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SociedadePortugal

Jovem guineense apresenta queixa contra empresa por racismo

João Carlos
27 de outubro de 2021

Jovem guineense residente em Portugal diz ter sido vítima de racismo numa empresa de segurança privada que presta serviço no Aeroporto de Lisboa e que entretanto a despediu. Administração da empresa refuta as acusações.

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Daniela Gomes: "Só que sei que me despediram por causa da queixa que fiz"Foto: João Carlos/DW

A denúncia do caso de Daniela Gomes veio a público através das redes sociais e a partir daí ganhou outra proporção junto da comunicação social. Tudo começou quando a jovem guineense, de 33 anos de idade, pós-graduada em Turismo e Comunicação, fez queixa de uma colega à administração por ter sido vítima de racismo no local de trabalho.

Diz ter sido despedida por causa disso, pouco depois de ter frequentado uma ação de formação de duas semanas para começar a trabalhar na ICTS Portugal, empresa de segurança privada que opera no Terminal 2 do Aeroporto de Lisboa. "Simplesmente disseram que eu estava à experiência. Só que sei que me despediram por causa da queixa que fiz contra ela. Há uma base discriminatória no meu despedimento", conta à DW.

O episódio que evidencia prática de racismo ocorreu quando, já em campo, a formadora questionou os formandos sobre o ambiente de trabalho e sobre o tipo de animais, como cão e o gato, que podem passar pelo sistema de raio X do aeroporto antes de entrar para o avião. 

"Na altura, por curiosidade perguntei: 'e pessoas que têm animais diferentes de estimação, por exemplo, cobra?' Ela lá me disse que cobra não passava. E eu, por pura curiosidade – porque na Guiné-Bissau tinha um macaco como animal de estimação – perguntei: 'E macaco, passa no raio X?' E ela responde-me assim: 'Não, porque eu vejo os seus primos andarem livremente pelo aeroporto e ninguém lhes coloca em jaulas para passar no raio X'", relata.

Portugal Lissabon | ICTS Portugal
Sede da ICTS Portugal em LisboaFoto: João Carlos/DW

Queixas na PGR

A jovem mãe, que vive em Lisboa desde os 6 anos, afirma que três testemunhas assistiram àquele episódio. No dia 11 deste mês, acabou por apresentar queixa da referida funcionária na sede da empresa, em Lisboa. "Dia 13, fui à Procuradoria-Geral da República (PGR) e fiz uma queixa contra ela. E a empresa, passados uns dias, despediu-me."

Considera inadmissível o sucedido porque a empresa não tinha motivo algum para a despedir: tinha experiência, uma vez que já trabalhava no Aeroporto de Lisboa. Daí que vai avançar também com uma queixa-crime contra a ICTS Portugal.

A administração da empresa desmente que tenha despedido Daniela Gomes e esclarece, numa nota enviada à DW, que, lamentavelmente, os factos foram omitidos nas publicações feitas nas redes sociais.  

Empresa desmente acusações

Manuel João, diretor de segurança da ICTS Portugal, explica na referida nota que "ocorreram várias cessações de contratos de trabalho no âmbito do período experimental", incluindo a trabalhadora em causa, "e que não têm qualquer relação com a referida denúncia".  

Portugal Lissabon | Lissabon Flughafen
A empresa de segurança privada presta serviço no Aeroporto de LisboaFoto: João Carlos/DW

A ICTS Portugal informa ainda que a denunciada encontra-se suspensa preventivamente. Por outro lado, adianta que Daniela Gomes e os colegas foram inquiridos no âmbito de um inquérito interno, estando em curso o processo disciplinar para que a denunciada possa apresentar a sua defesa perante os factos. 

A empresa diz não se rever "nas palavras ditas e escritas no que concerne à alegada discriminação racial que lhe é imputada, nem se revê nos discursos de ódio e fundamentalismo". Acrescenta orgulhar-se de "ter nas suas fileiras colaboradores de todas as proveniências e origens". 

"Ninguém dá crédito às denúncias das vítimas do racismo"

Tendo já denunciado o caso, a SOS Racismo prontificou-se a acompanhar as várias fases do processo, quando for aberto inquérito pelas autoridades competentes.

"Uma empresa não pode despedir uma trabalhadora, independentemente do seu estatuto jurídico, porque o argumento de que ela estaria em período experimental e que, portanto, ela teria sido dispensada ao abrigo desse normativo não colhe. É um argumento muito fraco e, diria até, falacioso", diz Mamadou Ba, um dos dirigentes da associação, que considera o caso "demasiado grave" com "contornos muito preocupantes no que toca às responsabilidades das empresas". 

O dirigente associativo não tem a menor dúvida de que Daniela Gomes foi despedida porque a empresa não quer ter, no futuro, nenhum caso de denúncia de atos racistas por trabalhadores como ela. 

"Para não ter que lidar com isto, preferiram despedi-la, fugir das suas responsabilidade e, em última análise, proteger a prevaricadora", critica. "Ou não acreditam na denúncia da Daniela" e "se assim for", acrescenta, "é uma repetição de um filme já várias vezes visto". Mamadou Ba lamenta que "ninguém dá crédito às denúncias das vítimas do racismo, o que é mau."

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