Luanda Leaks: Justiça portuguesa a trabalhar com Angola
27 de maio de 2022Portugal continua a cooperar com Angola em matéria de recuperação de ativos ilícitos transferidos do país africano para o estrangeiro. A informação é avançada à DW África pelo ministro português das Finanças, Fernando Medina, que, entretanto, não revela qual o montante total já devolvido às autoridades angolanas, evocando segredo de justiça.
Segundo o ministro, "relativamente a vários casos que foram tornados públicos, as autoridades portuguesas, em estreita articulação com as autoridades angolanas, promoveram o arresto de um conjunto de bens que foram identificados pelas autoridades angolanas, cumprindo aliás a sua obrigação de leal cooperação com o Estado angolano", disse.
Entretanto, a diretora executiva da ONG Transparência e Integridade - Transparência Internacional (Portugal), Karina Carvalho, critica as autoridades portuguesas pela opacidade e demora no tratamento dos processos em causa - já lá vão mais de dois anos depois dos escândalos financeiros despoletados pelo "Luanda Leaks".
Montante já recuperado
À DW África, o ministro Fernando Medina evita revelar qual o montante dos ativos ilícitos já recuperados ou a devolver a Angola, ao abrigo da cooperação judicial entre os dois países.
Num dos seus relatórios, a referida ONG menciona que "Portugal foi responsável pelo branqueamento de fluxos financeiros ilícitos provenientes de Angola".
A organização não-governamental havia argumentado que "estes autênticos negócios fantasmas foram realizados com a intervenção direta de um exército de peritos, incluindo portugueses, que atuaram como facilitadores do fluxo de capitais ilícitos provenientes de Angola", explica.
Porém, em declarações à DW África, Karina Carvalho, diretora executiva da organização, considera que esta é uma matéria de "enorme interesse público", sobretudo para os angolanos, tendo em conta que Angola terá eleições ainda este ano.
"Portanto, é preciso também que em Angola se avalie o impacto da política anticorrupção do atual executivo, nomeadamente no que se refere à recuperação de ativos desviados do erário público angolano que tanta falta fazem à vida das milhares de pessoas em Angola que sofre pela falta de tudo", referiu.
Esforço na recuperação de ativos
Para a diretora, é fundamental "perceber-se em que ponto estamos relativamente ao esforço de recuperação de ativos, nomeadamente no quadro do escândalo 'Luanda Leaks', envolvendo a empresária Isabel dos Santos, até porque outros países como a Holanda já estão a dar passos significativos nesse sentido", afirmou.
Ainda segundo a executiva da Transparência e Integridade, "à justiça o que é da justiça" e "à política o que é da política". Mas recorda o processo judicial de Manuel Vicente, deputado e ex-administrador da Sonangol, que foi tratado no plano diplomático.
Portanto, exemplificou, "foi a diplomacia em ação que, na verdade, pressionou para que o "processo Manuel Vicente" fosse enviado para Angola e sem desfecho até aos dias que correm, quando estamos a falar de um caso evidente de corrupção e dado como provado nos tribunais portugueses".
Entretanto, de acordo com o jurista Rui Verde, este processo não depende da vontade de ministérios. São os tribunais quem vão decidir os montantes capturados a devolver a Angola.
Decisão judicial
"Tivemos agora o exemplo do juiz Ivo Rosa entregar 80 milhões de euros de dividendos à Sonangol. Foi uma decisão judicial. Ele decidiu assim, mas podia ter decidido de outra maneira", frisou Verde.
O investigador da CEDESA, entidade internacional de pesquisa e análise independente sobre Angola, considera que neste aspeto a expetativa é mais política, com o objetivo de tirar do mercado os eventuais atores prevaricadores como é o caso da empresária angolana, Isabel dos Santos.
"A recuperação dos ativos demorará e depende de cada processo. Aparentemente, a informação que continuamos a ter é que a Sonangol recuperou o ativo na Galp [portuguesa]. Outras pessoas como Isabel dos Santos, não fazemos ideia o que é que se passa".
O analista adianta que isso tem a ver com as complexidades das investigações, que, de um modo geral, estão muito atrasadas, quer em Angola quer em Portugal. Rui Verde acrescenta que tal facto prende-se também com a incapacidade do sistema judicial que não está preparado para responder a estas situações de captura do Estado.