Luaty Beirão, um rapper contestatário em Angola
29 de dezembro de 2011É, no mínimo, um caso invulgar: um jovem que protesta contra o regime que lhe garantiu uma vida relativamente desafogada, algo que a maioria angolana deseja e não tem. E que se deveu, sobretudo, ao cargo que o pai, figura próxima do Presidente angolano, ocupava na década de 90: dirigente da Fundação José Eduardo dos Santos. Mas Luaty Beirão diz que apesar de o acusarem de “ser filho do regime”, nada o “obriga a seguir a linha do meu pai”. E remata que tem “a minha própria cabeça e o meu próprio cérebro” para pensar.
O Brigadeiro Mata Frakus ou Ikonoklasta, outro dos seus nomes artísticos, decidiu, em fevereiro deste ano, e em conjunto com outros jovens angolanos, protestar com duras palavras e insultos contra o regime do Presidente e convocar o povo para uma manifestação, com o slogan "Zedú tira o pé". Esta foi aniquilada logo à nascença pelas forças de ordem do regime, “o que era de esperar” conta o jovem músico.
A luta por um direito fundamental
Porém, insiste que para além das manifestações oficiais contra “a SIDA e pela paz”, a população tem também “o direito de demonstrar contra as coisas com as quais não concorda. E esse direito é-nos permanentemente vedado”. Aliás, as primeiras manifestações, ou tentativas de manifestação, culminaram com a detenção do rapper.
O autor da convocação é desconhecido em Angola, e identificou-se apenas com o nome de Agostinho Jonas Roberto dos Santos, uma amálgama de vários nomes de importantes líderes políticos angolanos. Hoje, é quase impossível falar-se no Brigadeiro Mata Frakus ou Ikonoklasta sem associá-lo às manifestações no país.
Uma contestação que não nasceu só agora
O ativista angolano dos direitos humanos, Rafael Marques, admite que o rapper tenha um papel importante nas manifestações, mas defende que outros fatores foram os principais motores das contestações. A dimensão política, por exemplo, foi enaltecida “pelos acontecimentos no norte de África”, diz o ativista numa referência às contestações que derrubaram regimes ditatoriais na Tunísia e na Líbia.
De março até aqui, as manifestações aconteceram regularmente, e sempre com o envolvimento do rapper, embora este tenha renunciado às palavras violentas e aos insultos nos seus discursos. O Brigadeiro Mata Frakus ganhou maior visibilidade com as manifestações, mas a sua carreira de contestação ao regime é antiga e vem amadurecendo, segundo Rafael Marques.
O privilégio ao serviço da democracia
O ativista realça que o Brigadeiro Mata Frakus é um dos pioneiros no apoio à música rap como forma de contestação ao poder instituído: “Sendo filho de uma família privilegiada, tem usado parte dos seus privilégios para apoiar os seus companheiros na edição de discos, na produção de vídeos e na realização de debates”. Para Rafael Marques, o Brigadeiro Mata Frakus “é um indivíduo que tem sido consistente ao longo dos anos”.
E é no âmbito da sua atividade em prol dos direitos humanos e da democratização de Angola, que o Brigadeiro Mata Frakus lança este apelo ao Presidente angolano: “Nosso Presidente, eu desejo viver num país em que dirigir-lhe a palavra não seja nunca mais conotado com petulância, prepotência ou um ataque”. Referindo que gostaria de ter uma audiência com José Eduardo dos Santos para conversar “tranquilamente no seu jardim”, Mata Frakus exorta o Chefe de Estado a “exigir a quem deve zelar e velar pelo respeito das normas constitucionais que não as pise, e que nos deixe, por favor, manifestar, nós, os 20%, que não votamos no MPLA. Deixe-nos, por favor, usufruir desse direito, que nos foi dado pela Constituição”.