Luaty Beirão: o filho "ingrato" do regime angolano?
16 de outubro de 2015Na quinta-feira (15.10), Luaty Beirão foi transferido do hospital-prisão de São Paulo para uma clínica privada em Luanda. O músico faz parte do grupo de 15 ativistas detidos desde 20 de junho, acusados de preparação de uma rebelião e de um atentado contra o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos.
"Um dia, quando os meus filhos me perguntarem quem foi Luaty, direi que foi um herói que vi a lutar pela causa justa do povo angolano". A frase é de um ouvinte da DW África, mas reflete a opinião de muitas outras pessoas, que vêem no ativista de 33 anos um símbolo da resistência ao regime angolano.
"É o meu herói", diz também o jornalista angolano Rafael Marques. Luaty Beirão "é de uma coragem e de uma convicção extraordinárias, duas qualidades fundamentais para a afirmação da cidadania em Angola", acrescenta o defensor dos direitos humanos. "O Luaty é um cidadão angolano exemplar, porque está a colocar a sua vida em risco por um bem comum, pela liberdade dos angolanos. E não há sacrifício maior do que este."
Luaty, uma pessoa comum
Mas Luaty não se vê como um líder. Diz-se "igual a qualquer um". "A pretensão dele não é ser um símbolo ou um herói nacional", diz a mulher do ativista, Mónica Almeida. "O Luaty é uma pessoa comum. As pessoas estão a ‘deusificar’ o Luaty. Ele comete os seus erros, tem as suas convicções muito fortes e isso é que contribui para que as pessoas estejam a transformá-lo em símbolo, porque cada vez há menos pessoas assim."
Família e amigos têm tentado demovê-lo da greve de fome, que já levou a manifestações de solidariedade, de Luanda a Lisboa e noutras cidades. Mas Luaty Beirão está disposto a lutar até ao fim por aquilo em que acredita.
Já assinou "uma declaração a desresponsabilizar os médicos e outra a responsabilizar José Eduardo dos Santos caso morra", conta a esposa. "A greve de fome dele é para exigir que os seus direitos enquanto arguido sejam respeitados, no que toca principalmente à possibilidade de liberdade condicional. Ele tem plena noção que será julgado, com ou sem provas".
Luaty Beirão é um dos rostos mais visíveis da contestação ao regime angolano desde 2011, ano em que as manifestações anti-governo começaram a ganhar expressão. Já foi preso várias vezes pela sua luta.
Um músico crítico
Mónica Almeida lembra que o Luaty Beirão "quer mais condições para o povo angolano. Quer mais água, quer mais luz, quer mais educação, quer mais saúde. É isso que ele quer. O Luaty nunca iria cometer qualquer atentado contra o Presidente da República".
Luaty é filho de João Beirão, já falecido, e que foi primeiro presidente da Fundação Eduardo dos Santos (FESA). Mas isso nunca o impediu de criticar o Presidente. Já o fazia enquanto rapper, na voz do "Brigadeiro Mata Frakuzx" ou como "Ikonoklasta" – nomes com que se apresenta em palco.
"Acusam-me de ser um filho do regime, mas não vejo em que é que isso me obriga a seguir a linha de pensamento do meu pai. Felizmente, pude formar-me e penso pela minha própria cabeça", defende-se o músico.
Luaty Beirão é "uma pessoa sui generis", segundo disse à DW a ativista dos direitos humanos Lisa Rimli, que o conheceu em Angola, em 2011, quando trabalhava como investigadora da Human Rights Watch.
"Ele teve uma educação privilegiada, estudou em Inglaterra, em França, mas depois dos estudos voltou para Angola, à boleia, com apenas cem dólares no bolso. Isso mostra que ele tem uma atitude diferente do que é típico para as elites angolanas. É uma pessoa que tem uma grande humildade. Identificou-se muito cedo com as pessoas mais pobres em Angola.", recorda Lisa Rimli.
Um ponto de vista que, como o ativista confessou em tempos, gostaria um dia de transmitir ao Presidente angolano, numa "conversa tranquila no seu jardim": "Nós queremos pedir-lhe, com toda a humildade, que o senhor peça ou exija a quem deve zelar e velar pelo respeito das normas constitucionais, que não as pise. E que nos deixe, por favor, manifestar, nós, os 20% que não votamos no MPLA. Deixe-nos, por favor, usufruir desse direito que nos foi dado pela Constituição".