Mali vai às urnas em tempos de Covid-19
27 de março de 2020O discurso do Presidente Ibrahim Boubacar Keïta na passada quarta-feira (25.03) era aguardado com expectativa no Mali. Dias antes especulava-se que o chefe de Estado iria cancelar as eleições parlamentares previstas para domingo (29.03). Há muito que a pandemia causada pelo novo coronavírus chegou à região, tendo afetado particularmente os vizinhos Senegal e Burkina Faso. No Mali foram, até agora, detetados dois casos de infeção. O governo impôs um recolher obrigatório noturno e declarou uma emergência de saúde. O Presidente anunciou na televisão que "as eleições terão lugar a 29 de março, em conformidade com as medidas de precaução".
Keïta encontra-se sob grande pressão. As últimas eleições parlamentares ocorreram em 2013. O escrutínio previsto para 2018 foi adiado sucessivamente. "As eleições parlamentares são o resultado da decisão do diálogo nacional, que estabeleceu prazos", justificou-se o Presidente. O diálogo entre o Governo e a oposição de dezembro de 2019 foi um passo importante para o restabelecimento da estabilidade no país. O Mali encontra-se numa profunda crise política e de segurança desde que grupos islamistas ganharam o controlo do norte em 2012, tendo chegado às portas da capital, Bamako, no sul do país. Apesar de maciço apoio militar externo, vários grupos terroristas ainda operam no país. No centro registam-se regularmente confrontos violentos entre aldeias e as suas milícias de autodefesa.
A situação de segurança é preocupante
A conclusão de Baba Dakono, diretor da representação local do Instituto de Estudos de Segurança (ISS), é sóbria: "A violência que registámos em 2019 e desde o início de 2020 mostra que apesar de todas os esforços envidados, o impacto na segurança é escasso". Segundo a organização não-governamental americana ACLED, aumenta sobretudo a violência contra civis. De um modo geral, a violência avança cada vez mais para o sul. Há muitos militares internacionais no país: a missão das Nações Unidas, MINUSMA, tem 13.289 soldados estacionados no país, incluindo 1.100 soldados alemães. A missão Francesa Barkhane tem 4700 soldados no terreno.
Mas, segundo Dakono, o Mali sofre de muito mais do que uma crise de segurança. "Há uma falta geral de confiança entre a população e o Estado. Há regiões em que o Estado nem existe. E quando marca presença, é simbólico e mal aceite pela população, de cujas necessidades nunca se soube ocupar", diz Baba Dakono.
Eleições a meio do terror
Mesmo antes da pandemia, discutiu-se no Mali se não fazia sentido adiar as eleições por causa da situação de segurança. O elevado grau de risco ficou claro, quando, na quinta-feira (26.03), o líder da oposição Soumaila Cisse foi raptado por pistoleiros em plena campanha eleitoral. Não é certo que as forças de segurança nacionais e internacionais sejam suficientes para proteger as mais de 22.000 mesas de voto de ataques. Dajié Sogoba, primeiro vice-presidente da comissão eleitoral CENI, está consciente do risco. "Não devemos ter ilusões. Há coisas que não podem ser previstas", disse. Mas Sogoba acredita que a eleição de domingo é possível - mesmo nas regiões de crise de Gao, Timbuktu e Kidal, onde a crise é especialmente aguda.
A situação é também particularmente má para os mais de 218.000 deslocados internos, sobretudo na região em torno da cidade de Mopti, onde aumenta a violência entre entre as milícias de autodefesa e aldeias inteiras. Os grupos terroristas também não cessaram as suas atividades. Os seus membros não poderão votar no domingo. "Para votar é preciso estar recenseado nos cadernos eleitorais e ter um cartão de eleitor. Caso contrário será muito difícil", diz Dajié Sogoba.
Desinteresse nas eleições
De qualquer modo, as eleições não despertam interesse. Alguns dos 1451 candidatos ao Parlamento colocaram cartazes gigantescos na capital e arredores. Mas os potenciais eleitores estão ocupados com outras coisas, diz Moussa Mara, de 45 anos. O candidato ao círculo eleitoral 5 na capital Bamako concorre pelo partido Yelema. Entre 2014 e 2015 Mara foi o primeiro-ministro do Mali mais jovem e é um dos candidatos mais conhecidos. O que aprendeu na campanha eleitoral foi: "As pessoas estão preocupadas com a sobrevivência, com encontrar como se alimentar".
Além disso, há uma insatisfação geral com a política, como mostrou um inquérito publicado pela Fundação alemã Friedrich-Ebert em meados de março. Mais de 50% dos inquiridos disseram estar bastante ou muito insatisfeitos com o trabalho do presidente, 62% com o trabalho do governo e 73% com o parlamento, diz o representante da fundação no Mali, Christian Klatt. O inquérito permitiu ainda outra conclusão: "Os inquiridos tinham conhecimentos muito escassos sobre os deveres dos deputados".
O candidato Moussa Mara concorda: "A população não sabe realmente o quanto pode beneficiar do Parlamento". O seu objetivo é ganhar a confiança da base. Mas os políticos também devem provar que representam os interesses da população, diz. E uma coisa parece-lhe particularmente: "Os políticos têm que ser acessíveis escutar a população".