Marcelino Sambé, um talento do ballet com pé para as danças africanas
29 de abril de 2014É sábado. Estão nove graus em Londres. Passa pouco das oito horas da manhã e uma dezena de pessoas já faz fila à porta da Royal Opera House, em Covent Garden.
Uns conversam, outros ouvem música pelos auscultadores. Um pai trouxe consigo a filha pequena e bebem cacau quente à vez. Têm de esperar duas horas ao frio até à abertura das bilheteiras para comprar os últimos ingressos para o espetáculo de ballet Giselle.
Marcelino Sambé atua no espetáculo. Não tem um dos papéis principais, mas já é solista. O português, filho de pai guineense e mãe portuguesa, tem 20 anos e está desde 2012 no Royal Ballet, uma das companhias de ballet mais prestigiadas do mundo.
"Eu tinha dúvidas de poder entrar na companhia por ser tão diferente", conta. "Os meus colegas são todos muito altos, muito longos, muito louros e de olhos azuis… E depois estou aqui eu, completamente diferente."
De pequenino…
Marcelino Sambé começou a dançar por volta dos seis anos num centro comunitário, nos arredores da capital portuguesa, Lisboa. Na altura, não foi logo ter aulas de ballet. Foi para um grupo de danças africanas.
"Em casa ouvíamos funaná, kizomba, havia uma forte influência na família", diz Marcelino.
Entretanto, abriu um centro comunitário ao pé de sua casa. "Lembro-me de ir um lá um dia, ouvir música e ver imensas raparigas no topo do edifício a dançar, todas alegres. E eu depois perguntei se também podia. Comecei a dançar. Até me tornei numa espécie de mascote do grupo, porque eu era o único rapaz, muito pequenino."
Ao ver Marcelino, a psicóloga do centro comunitário sugeriu-lhe que fosse a uma audição na escola de dança. Marcelino tinha nove anos quando entrou para o Conservatório. Passo a passo, todos os olhos se foram voltando para ele. Ganhou vários prémios internacionais de ballet. Ficou famoso em Portugal, aparecendo volta e meia nos jornais e na televisão.
Por trás do sucesso
Mas quando está a ensaiar na barra de dança, antes de subir ao palco para uma competição ou um espetáculo, há muito suor e muita dor, diz Marcelino. Uma dor com que, muitas vezes, o bailarino tem de lidar sozinho, em Londres. A sua família continua em Portugal.
"Há dias em que olho para o espelho e está tudo mal", confessa.
"Acho as minhas coxas enormes, os meus pés enormes, o meu pescoço larguíssimo. Imagina estares despido, com uns collants e umas sapatilhas, e teres que olhar para o teu corpo nesse dia em que te estás a sentir bastante mal. Além disso, as lesões são o pior para um bailarino, porque temos de ficar sentados a ver os outros conseguir fazer coisas que talvez nós também conseguíssemos fazer."
Pés descalços em vez de sapatilhas de ballet
Marcelino nunca visitou o país do pai, a Guiné-Bissau. Gostava de lá ir. Ainda assim, os ritmos africanos pulsam dentro de si. Tanto que, um dia, quando estava na escola do Royal Ballet, chegou a pedir aos colegas para descalçarem as sapatilhas de bailarino e tentarem algo novo.
"A coreografia foi toda baseada em movimentos africanos e foi a coreografia com que eu tive mais sucesso até hoje. Porque foi tão natural, tão espontâneo", recorda. "Cheguei ao estúdio e disse: 'Esqueçam as posições do ballet e a elegância, vamos descalçar os pés.' Foi um instinto que eu queria libertar."
Dançar ballet, sem esquecer os ritmos africanos, é algo que Marcelino quer continuar a aperfeiçoar. No Royal Ballet, em Londres.