Melhor taxação de multinacionais pode ajudar Moçambique
25 de julho de 2016O Governo de Maputo e as multinacionais assinaram acordos com isenções generosas de impostos há já muitos anos, mas até hoje a população de Moçambique não tem mais vantagens por causa disso.
Em tempos de crise da dívida no país, algumas multinacionais estão até a fechar e a demitir funcionários, ainda que quase não tenham gerado receitas ao Governo de Moçambique.
A DW África conversou sobre o tema com João Mosca, economista e professor da Universidade A Politécnica, em Maputo.
DW África: Em tempos de crise no país, não seria hora de o Governo taxar mais e melhor os megaprojetos, em vez dos cidadãos?
João Mosca (JM): A questão da taxação dos megaprojetos é um assunto que está a ser colocado ao Governo nos últimos oito ou dez anos. Mas não são claras as razões que levaram o Governo de Moçambique a não mudar e não discutir, ou rediscutir, os grandes contratos com os megaprojetos sobre esta questão da fiscalidade.
Agora, neste momento, a economia está em crise. O prestígio da economia moçambicana, internacionalmente, está muito baixo. Moçambique está a ser considerado um país, segundo as empresas de rating, na categoria de default, em português "lixo". A confiança que os empresários, a própria comunidade internacional e os grandes empreendimentos têm em Moçambique está fortemente abalada, devido à situação crítica da economia e sobretudo por causa da dívida oculta [descoberta em abril de 2016 e que levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o grupo de apoio programático ao Orçamento Geral do Estado a suspender as ajudas financeiras a Moçambique].
Por outro lado, não sei se, neste momento, é oportuno fazer este tipo de negociação, porque isso irá agravar mais ainda a situação de confiança do país em termos de negócios internacionais. O próprio setor energético está em crise. Portanto renegociar com as multinacionais de gás, de carvão, em situação de crise, penso que seria não muito oportuno.
DW África: O ministro da Economia e Finanças de Moçambique, Adriano Maleiane, anunciou que o Orçamento do Estado retificativo apresentado ao Parlamento será financiado por meio do alargamento da base tributária. Em entrevista à DW África, um analista defendeu que os trabalhadores informais e os camponeses moçambicanos sejam incluídos no sistema tributário. O que pensa a respeito?
João Mosca (JM): Sabemos que esta crise está a afetar sobretudo as populações mais pobres. Por isso, taxar a economia informal, por exemplo, implicaria no aumento de custos para os informais [que não possuem registo tributário nem documentos de identificação], e no fim, no preço que para o consumidor. Significa que iria agravar mais ainda a situação do nível de consumo e do poder de compra e os salários dos pequenos empreendedores.
DW África: Então, o que poderia ser feito para aumentar a receita do Governo na intenção de combater a crise da dívida em Moçambique?
João Mosca (JM): O que pode ser feito, neste momento, não é tanto do lado da receita. O setor produtivo está a reduzir a sua produção. As taxas de juros aumentaram e a oferta monetária vai reduzir-se. E existe um processo de seleção dos principais setores de atividade económica ligados e não ligados aos grandes projetos. A medida seria a nível de despesas. E já está, a se discutir, no Parlamento, uma proposta do Governo de retificação do Orçamento do Estado que, infelizmente, acaba por não retificar nada, na medida em que o nível das despesas foi reduzido apenas em 1%. Isso dá a ideia de que o Governo ainda não está a tomar muito a sério a situação da crise em que vivemos.
DW África: Acredita que os megaprojetos podem ter um papel importante no combate à crise da dívida no país?
João Mosca (JM): Não. Afinal, o nível de produção dos megaprojetos baixou e algumas empresas mineiros, por exemplo, estão a fechar e a demitir pessoas.
DW África: Deveria Moçambique começar a taxar mais e melhor os megaprojetos?
João Mosca (JM): Sim. E não somente os megaprojetos. Mas sendo a economia muito aberta e sem condições de competitividade e tendo uma fronteira económica completamente aberta - como é o caso de Moçambique – são naturalmente levantamentos de questão técnica e económica, sobre a questão de haver ou não protecionismo das economias nacionais [que importam]. É principalmente o Governo que tem de tomar medidas fortes na reestruturação e modernização sobre qual é o papel que o Estado tem na economia da sociedade e, então, reduzir fortemente o papel desse Estado. Porque, neste momento, os gastos públicos chegam a quase 50% do Produto Interno Bruto (PIB) , o que é muito. Só os gastos com pessoal, no funcionalismo público, em salários é 11% do PIB. Isso é um dos valores mais altos do mundo.
DW África: Há solução?
João Mosca (JM): Há elementos que podem contribuir no combate à crise dentro do Estado. Mas existem forças políticas e interesses económicos articulados com a política internamente que resistirão a reformas.