Minorias pedem medidas de combate as racismo em Portugal
5 de dezembro de 2016No documento, eles criticam o Estado português por não reconhecer a necessidade de políticas específicas para estas minorias. O movimento associativo reclama "falta de diálogo” com as entidades que, segundo afirmam, não foram ouvidas sobre questões que se prendem com o combate ao racismo e à exclusão.
A polémica veio a baile na sequência de um relatório sobre a discriminação racial apresentado por Portugal e baseado em informações fornecidas por várias instituições portuguesas. Entre essas, o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e a Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade.
As associações criticam o facto do Governo português ter remetido um relatório às Nações Unidas sobre a problemática da discriminação racial em Portugal, sem os contributos da sociedade civil e sem ter ouvido formalmente os afrodescendentes e outras minorias.
"Falha gravíssima"
Segundo Mamadou Ba, da organização não-governamental SOS Racismo, trata-se de "uma falha gravíssima”. Ele diz que o Estado português não pode lavrar um relatório sobre discriminação racial sem ter o aporte e o contributo das pessoas que são vítimas do racismo, "por isso as associações têm se mobilizado”, explica.
A segunda causa, e mais importante, segundo ele, diz respeito ao conteúdo do relatório. "O Governo português assume neste documento que não tem necessidade de implementar medidas específicas para combater o racismo enfrentado pelas comunidades de afrodescendentes”, disse Mamadou Ba.
Para o dirigente associativo, esta postura do Governo de Portugal contraria a própria Organização das Nações Unidas (ONU) e seus decretos sobre o tema. "A ONU estipula claramente a necessidade de medidas específicas que respondam aos problemas de discriminação confrontadas pelas comunidades afrodescendentes”, diz.
O Governo português diz ter "políticas generalísticas, holísticas como as queiram chamar", mas segundo Mamadou Ba, "é preciso haver medidas específicas orientadas para as questões com que se confrontam as comunidades afrodescentes".
Carta
Perante esta falha do Governo português, pelo menos 22 associações endereçaram uma carta, nesta segunda-feira (05.12), ao Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial. Em seu último relatório, resultante da avaliação publicada em 2012, a própria ONU lamentou a falta do contributo da sociedade civil nesta matéria.
Mamadou Ba explica que "as ONG’s que intervêm nesta área devem refletir nos seus contributos para a ONU sobre os problemas dos afrodescendentes, afrobrasileiros, e africanos imigrantes e minorias étinicas que tivessem situações de discriminação racial. Portanto, o Estado português tem que cumprir para já com as suas próprias obrigações”.
Na carta, as associações apresentam reivindicações claras. Uma delas exige a recolha de dados étnico-raciais para definir o universo de pessoas abrangidas e saber qual a natureza das políticas a serem aplicadas. Também abordam os métodos para a monitorização da eficácia das políticas governamentais.
Práticas racistas
A carta evidencia a existência de várias práticas racistas e ilustra os factos com números sobre as desigualdades raciais na sociedade portuguesa. Um dos casos, ocorrido em 2015, é apontado por Carla Fernandes, da Afrolis - Associação Cultural.
"Um grupo de jovens do Moinho da Juventude, uma associação que já existe há cerca de 30 anos, em Lisboa, deslocou-se à esquadra de Alfragide para saber de um outro jovem que tinha sido detido – só para saber como é que as coisas estavam a correr – acabaram por ficar lá. Foram espancados e torturados”, disse Fernandes.
As desigualdades raciais, segundo afirmam as associações, vão da educação à habitação. Carla Fernandes diz que "há muito por fazer para melhorar as condições de vida dos afrodescentes em Portugal”. E, embora o racismo não tenha sido combatido, ele existe e cresceu institucionalmente: "A impunidade impera”, afirma Mamadou Ba.
As associações reúnem-se esta noite (05.12), no bairro da Cova da Moura, na periferia de Lisboa, para um balanço desta primeira etapa, estando prevista a elaboração de um caderno reivindicativo mais consistente a ser entregue ao Governo português e às organizações internacionais.