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"Moçambique é mina para quem quer exercer jornalismo sério"

12 de junho de 2020

Jornalistas detidos em Sofala por alegada corrupção passiva foram libertados. Exigem agora esclarecimentos ao Gabinete provincial de Combate à Corrupção pela sua detenção, que consideram uma cabala.

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Foto: DW/A. Sebastiao

A meio da tarde desta sexta-feira (12.06) foram soltos os jornalistas Arcénio Sebastião, correspondente da DW, e Jorge Malangaze. O tribunal justifica que foram detidos fora do flagrante delito e que o auto refere-se apenas a indícios de corrupção e, portanto, não há crime algum.

Os jornalistas eram acusados pelo Gabinete provincial de Combate à Corrupção (GCCC) de Sofala de terem extorquido dinheiro ao empresário Manuel Ramissane, conhecido por "Nelinho". O também deputado da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder) teria violado as regras de estado de emergência no âmbito da Covid-19. 

O Instituto da Comunicação Social da África Austral (MISA-Moçambique), que está a dar assistência aos jornalistas, manifestou satisfação pela sua soltura, mas isso só não chega: "Fora o facto de terem sido lesados, é importante notarmos que este processo tem muitos elementos não claros. Nós próprios, como MISA, já tínhamos levantado essa suspeita e a decisão da juíza do caso vem a provar que havia uma ilegalidade na detenção", afirma o diretor do MISA-Moçambique, Ernesto Nhanale, à DW África.

O MISA-Moçambique não dá o caso por encerrado: "Temos de perceber o que esteve por detrás, o que contribuiu para que esta detenção tivesse lugar de forma ilegal. É preciso que este caso seja esclarecido, para além da necessidade de responsabilizar as pessoas que estiveram por detrás disto. Então, é importante haver esclarecimentos e, nos próximos dias, vamos nos posicionar em relação a esta matéria."

A DW entrevistou um dos jornalistas ora libertados, por sinal correspondente da DW, Arcénio Sebastião sobre o caso.

Mosambik Angriff auf Bus
Jornalista Arcénio Sebastião na cobertura dos ataques a viaturas na Estrada Nacional 1, no centro de Moçambique, em 2016Foto: DW/A. Sebastião

DW África: Estiveste, realmente, envolvido no esquema de corrupção, como diz a Procuradoria?

Arcénio Sebastião (AS): Esta é uma autêntica mentira, nós nunca estivemos envolvidos no esquema de corrupção, como diz a Procuradoria. Nós exigimos à nossa fonte que nos desse uma entrevista sobre o que teria acontecido no seu estabelecimento. Mas ela não se dispôs a falar naquela altura - achou que era inferior e tinha de comunicar ao seu superior, que é o alegado queixoso, o deputado da Assembleia da República. Quando ele chega à Beira, provavelmente na segunda-feira (08.06), ele telefona-nos a informar que já estava na Beira, mas pedia para se cruzar connosco antes que publicássemos a matéria para poder dar o seu contraditório, porque em Maputo não sabia o que teria acontecido no estabelecimento - primeiro queria informar-se com a gerência para depois nos dar a entrevista com clareza. Ele chama-nos para o seu estabelecimento, e nós não sabíamos que iríamos cair na armadilha, pensávamos, sim, que íamos ter a entrevista, como ele disse, por telefone, mas chegámos lá e encontramos um cenário bastante diferente, e não gostámos. Pensámos em nos retirar o mais rápido possível e, enquanto nos retirávamos, ele retirava o dinheiro do seu bolso; hasteava o dinheiro e deixava na mesa.

DW África: Como foste tratado durante a detenção? 

AS: Quase não tenho nada a lamentar, foi um tratamento muito humano. Por acaso, os agentes da polícia solidarizaram-se bastante connosco e contaram-nos alguns episódios que viveram como polícias naquela esquadra (6ª esquadra) por causa do tal empresário. Deram-me muito apoio, tiveram um respeito excecional. Foi muito diferente da detenção de 2016.

DW África: O vosso equipamento foi apreendido pelo GCCC em Sofala, mas até agora não vos foi devolvido, apesar de terem sido soltos. Que justificações alegam?

Pandemia tornou-se justificação para atacar jornalistas

AS: Ao reter o nosso equipamento, o GCCC em Sofala alega que não está conformado com a decisão tomada pela juíza, precisa de investigar mais, precisa de recorrer, precisa de estudar mais como o processo foi feito até chegar ao ponto em que não se detetasse nenhum crime, como está lá. Nós achamos que isto é uma vergonha, numa casa onde o pai perde a razão e os filhos e a mulher têm o seu direito de se exaltarem com o pai. Eles estão à procura de um meio termo para ver se esta vergonha não lhes pese bastante. Eles não têm nenhuma razão, primeiro porque nenhum de nós pegou o dinheiro, nem pediu o tal valor. Eles encontraram os cinco mil meticais na mesa onde estava sentado o empresário há muito tempo, antes de nós chegarmos. Chegámos e o empresário tentou subornar-nos com alimentos, bebida e cinco mil meticais. Nós recusámos, levantámos e deixámos o dinheiro na mesa. Os nossos equipamentos não têm nada a ver com aqueles senhores e com aquele cenário, nós flagrámos aquele cenário na noite de sexta-feira (05.06), quando viajávamos para Chimoio - e naquele equipamento que apreenderam não vai encontrar nenhuma prova (da suposta violação das regras do estado de emergência), porque passei todas as imagens para outro computador.

DW África: Há suspeitas de que a vossa detenção tenha sido uma cabala. Achas que estás a ser perseguido e intimidado no exercício da tua profissão?

AS: Eu não duvido, isto foi, sim, uma autêntica armadilha feita pelo "Nelinho" para nos prenderem. Com que objetivos, nós não sabemos. Isto é uma grande vergonha, acho que esta gente precisa de ser responsabilizada, precisam de dar esclarecimento aos seus superiores do porquê terem deixado os seus trabalhos para se sentarem no estabelecimento do "Nelinho" à espera de nos poderem prender. Foi uma armadilha, o que queriam era encontrar-nos com dinheiro ou um objeto que provasse que estivemos envolvidos na corrupção.

Achar que estaria a ser perseguido ou intimidado, isso todo o jornalista moçambicano sabe bem que não há liberdade neste país, este país é uma autêntica mina para quem quer exercer um jornalismo sério. Eles podem estar a tentar perseguir-me, de todas as formas, como fizeram há cerca de quatro anos, mas não estão a conseguir provas para me incriminar. Eu até agradeço que tenha feito isto no meio da cidade da Beira, que bem conheço. Se isso me tivesse acontecido em Pungué ou Mocímboa da Praia, acho que já estaria nas estatísticas do Ibraimo Mbaruco e de outros jornalistas e civis que desapareceram e até agora ninguém consegue dar esclarecimentos. Não resta dúvida de que pode ser uma perseguição, não orquestrada pela própria FRELIMO, mas por um membro filho da FRELIMO. Recomendo que se faça uma sindicância. É preciso que lhe lavem a cabeça dentro do seu próprio partido.

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África