Moçambique arrisca-se a ficar nas mãos do Malawi com o acordo assinado pela Vale
11 de janeiro de 2012Depois de vários meses de negociações entre Moçambique e o Malawi para a construção da linha férrea que sai da província central de Tete para a província nortenha de Nampula, em Moçambique, em finais de dezembro de 2011, a empresa brasileira Vale, que explora carvão mineral em Tete, assinou um contrato de consessão com o governo malawiano.
O acordo vai assim pôr fim, aos entraves que a empresa brasileira tem para escoar o carvão pela linha de Sena, na zona centro de Moçambique. De lembrar que as más relações entre a empresa brasileira e a concessionária que reabilitava a linha férrea de Sena eram tensas daí que a Vale procurasse também outras alternativas para escoar as grandes quantidades de carvão que explora.
Outros ganhos também se projetam com este acordo, segundo o economista moçambicano Hélder Chambisse: "Os impactos são positivos. O uso da linha férrea em território malawiano vai permitir aumentar os volumes e assim maximizar a utilização do porto de Nacala com ganhos para a Vale, Moçambique e Malawi, uma vez que aumenta a atividade económica com o porto de Nacala."
Corredor de Nacala, a salvação da Vale
Em Setembro, a Vale exportou as primeiras 35 mil toneladas de carvão moçambicano para o Dubai, número que pretende duplicar. Em 2012 a empresa brasileira planeia investir 892 milhões de euros em infraestruturas na região do porto de Nacala, o destino final da linha férrea do norte.
Para além de ser benéfica para Moçambique, a linha é vital para muitos países da África Austral que escoam e recebem mercadorias através dos portos moçambicanos.
Entretanto o facto da Vale, proprietária da ferrovia, ter assinado um acordo com o Estado malawiano levanta algumas questões, pois o comum seria o Estado moçambicano assinar com a contra parte malawiana.
Mas de acordo com o analista moçambicano da área de relações internacionais, Manuel de Araújo, este tipo de acordo é legal: "O direito internacional permite esse tipo de acordo, mas do ponto de vista do interesse de Moçambique penso que deveria ter sido o governo a aproveitar o acordo com a sua congénere malawiana."
Desentendimento entre vizinhos
De lembrar que as relações entre Moçambique e Malawi são relativamente tensas, porque os dois vizinhos não se entendem sobre a utilização do rio Zambeze, que passa por Moçambique, e também o Malawi tem dificuldades em escoar as suas mercadorias pelo corredor de Sena, no centro de Moçambique, devido também a atrasos na sua reabilitação.
Momentos de crispação entre as duas diplomacias têm acontecido com alguma frequência. Segundo Manuel de Araújo poderão existir consequências negativas para Moçambique neste contexto de tensões: "No dia em que o Malawi entender, por algum jogo de interesses, pode suspender a passagem do carvão pelo seu território, o que pode resultar em custos elevadíssimos para Moçambique e para a sua soberania."
O analista criticou ainda o facto de Moçambique, depois de 36 anos de independência, insisitir numa estratégia de desenvolvimento que, segundo ele, privilegia os interesses das empresas multinacionais em vez dos interesses do povo moçambicano.
Sob o ponto de vista das relações diplomáticas o especialista Manuel de Araújo considera que o acordo que a Vale assinou com o Estado malawiano é uma bofetada para o governo de Armando Guebuza, que ainda este ano deteve um diplomata malawiano que navegava no Zambeze, numa tentativa de provar a navegabilidade do rio, coisa que Moçambique contesta.
Ainda sobre a presença da empresa brasileira em Moçambique existem outros factos pouco divulgados, como por exemplo o problemático reassentamento da população que vivia nas áreas onde hoje a Vale explora o carvão mineral.
Cerca de 700 famílias foram reassentadas numa região distante dos bens essenciais para a sua sobrevivência, como água e energia eletrica. Reagindo a esta situação os reassentados têm feito manifestações desde 2009, entretanto reprimidas pela polícia local.
Nesta quarta-feira (11.01) uma nova manifestação aconteceu, em que a população impediu, por algum tempo, a circulação do comboio que transporta o carvão pela linha férrea de Sena.
Autora: Nádia Issufo
Edição: António Rocha