Idai:Escritores consideram a reação do Governo "pragmática"
3 de abril de 2019Ungulani Ba Ka Khosa e Lucílio Manjate consideram que não é momento para lançar críticas à atuação do Governo moçambicano na operação de assistência às populações vítimas do ciclone Idai, que assolou a região da Beira.
Os escritores moçambicanos, que foram a Lisboa participar na Primeira Festa de Literatura Infanto-Juvenil da Língua Portuguesa, aplaudem a reação da comunidade internacional e sustentam que ainda é muito cedo para avaliar o impacto do ciclone.
Dizem ainda que "o Governo moçambicano foi muito pragmático a encarar a situação”, mas concordam que "é preciso repensar a Beira e o modelo das construções” em áreas sensíveis do território moçambicano.
Campanha de solidariedade
Os escritores moçambicanos estão envolvidos na campanha de solidariedade e apoio às vítimas do ciclone Idai. Ungulani Ba Ka Khosa confirma existirem iniciativas individuais e contribuições por parte dos escritores como cidadãos solidários com as vítimas do ciclone que atingiu a região centro de Moçambique.
"Há uma iniciativa que a própria Associação [dos Escritores] fez, no dia antes de eu partir para aqui. Todos nós estamos solidários para com a Beira e as vítimas. Creio eu que nenhum cidadão moçambicano ficou alheio àquela catástrofe e acho que este nível de solidariedade vai continuar”.
Segundo Ungulani, não há palavras para descrever a situação na região da Beira e, porque considera constrangedor fazê-lo agora, admite que talvez, dentro de dois a três anos, possa digerir a ideia de vir a escrever um livro sobre esta catástrofe.
Capacidade de resiliência
Lucílio Manjate louva a reação da sociedade civil que, na sua opinião, não é frígida quando se trata de questões de natureza humanitária. "Há um movimento muito grande" de pessoas que se predispuseram a ajudar, refere.
"Eu acho que isso é muito gratificante, mostra a nossa capacidade de sermos resilientes. A Associação dos Escritores Moçambicanos organizou uma tertúlia a propósito do Dia da Poesia, mas era uma tertúlia que tinha Beira no coração, inclusivamente foi este o slogan/o lema da tertúlia, e dinamizou também esse processo de recolha de materiais, bens não perecíveis, para canalizar às instituições como o INGC ( Instituto Nacional de Gestão de Calamidades) e outras que vão depois fazer chegar esses mantimentos [à população] ”.
Lucílio Manjate e Ungulani Ba Ka Khosa elogiam e agradecem a ação da comunidade internacional. Seguno Manjate " a comunidade internacional tem estado a dar um apoio muito forte. Acho que a resposta tem sido muito boa, o que me resta como moçambicano é agradecer à comunidade internacional em ajudar o meu país”.
Momento não é ideal para criticar o Governo
Entretanto, ambos são unânimes e evitam, num momento de dor e pesar, fazer críticas à atuação do Governo moçambicano, relativamente a eventuais falhas na assistência às populações. Segundo Ba Ka Khosa, este ciclone ultrapassou todas as expetativas, porque "ninguém esperava por este nível de devastação".
"Praticamente uma cidade como a Beira, que está abaixo do nível das águas do mar, foi praticamente arrasada. Ninguém esperava uma dimensão destas. Quer dizer, todo o apoio é vital e eu acho que é prematuro fazer uma crítica ao Governo perante a situação. Porque é uma situação totalmente inesperada”.
Por eu urno, Lucílio Manjate concorda que o Estado moçambicano tem estado a desdobrar-se para mitigar os efeitos do ciclone Idai. Faz alusão ao pacote de medidas, que considera louváveis, anunciadas pelo Presidente Filipe Nyusi, a nível da saúde, da educação, e da eletricidade "no sentido de encorajar as pessoas a se reerguerem e a continuar com as suas vidas".
"Os acidentes naturais não se evitam", afirma Manjate, mas concorda que é preciso repensar o futuro e os mecanismos de prevenção contra as calamidades em Moçambique.
"Eu acho que é preciso repensar a Beira, é preciso redefinir a Beira, é preciso perceber a ameaça que aquela zona costeira representa para eventos desta natureza e redefinir, por exemplo, a engenharia das nossas casas; como é que a gente constrói, e para isso são chamados todos os peritos nestas coisas. Quer dizer, repensar construções mais resilientes, mais sustentáveis e menos catastróficas em caso de ciclones do género”.
Festa de Literatura Infanto-Juvenil da Língua Portuguesa
Ambos os escritores vieram a Portugal para participar na Primeira Festa de Literatura Infanto-Juvenil da Língua Portuguesa, que decorreu em Oeiras, no último fim de semana (30/31.03.), promovido pelo projeto Travessia das Letras.
Ungulani Ba Ka Khosa quer contribuir para que o livro infanto-juvenil venha a circular com maior frequência em Moçambique e acredita que o intercmbio entre os países de língua portuguesa, entre os quais Brasil e Portugal, pode ajudar a atingir esse objetivo, como uma das vias para combater a literacia, que em África é muito elevada.
Por sua vez, Lucílio Manjate, que esteve pela primeira vez na Feira do Livro de Leipzig (Alemanha), sugere que se leve a literatura infantil para as escolas. Mas desafia igualmente os escritores a produzirem mais a pensar nas crianças, sobretudo em Moçambique. Também a pensar nas crianças do seu país, o escritor propõe igualmente a promoção de clássicos da literatura moçambicana, como José Craveirinha, Luís Bernardo Honwana, Ungulani Ba Ka Khosa, Mia Couto, entre outros.