Moçambique: Media com períodos altos e baixos
4 de outubro de 2017A publicação foi apresentada na sede da UCCLA pela jornalista e socióloga angolana Luzia Moniz, presidente da PADEMA – Plataforma para o Desenvolvimento da Mulher Africana. A DW África conversou com Tomás Vieira Mário sobre o seu livro e sobre a imprensa em Moçambique.
DW África: A situação em Moçambique ainda pode ser considerada de inquietante tal como está expressa no livro?
Tomás Vieira Mário (TVM): Não é necessariamente uma inquietação, mas é um esforço de registo da experiência moçambicana do exercício de uma liberdade fundamental. Como sabe, nos países africanos a liberdade de imprensa, de um modo geral, é uma nova e recente conquista porque viemos de países de partido único desde as independências. E, portanto, só no início dos anos 90 é que na maioria dos países africanos se consagrou o direito à liberdade de imprensa. Então, trata-se de uma espécie de um exercício de análise do percurso deste direito fundamental em Moçambique, num contexto com intermitências entre paz e guerra. Isso tudo marca um pouco o ambiente político em que se possam exercer direitos fundamentais, como é a liberdade de imprensa.
DW África: Estes direitos, com base na legislação que foi criada, estão a ser respeitados?
TVM: Não há, digamos, uma análise que possa dizer: ao longo dos 25 anos a liberdade de imprensa em Moçambique foi assim. Há períodos altos e baixos conforme o ambiente político, conforme a exposição da sociedade. E, portanto, foi oscilando entre o bom, o menos bom e até o preocupante. O livro procura extrair nesses 25 anos diferentes períodos da experiência da liberdade de expressão e de imprensa em Moçambique refletindo a vida, a dinâmica da sociedade. Como sabe, em 1992, houve o Acordo Geral de Paz. Começa uma nova fase de uma democracia em paz, que percorre até 2012, traduzida em anos de paz mais ou menos estabilizada. De 2012, voltámos ao conflito político armado e, portanto, há uma regressão no nível dos direitos fundamentais. Como é de esperar, onde há conflito militar sempre há vitimação das liberdades fundamentais, neste caso a liberdade de imprensa inclusa. E, portanto, este período, segundo o que o livro narra (2012 a 2014), foi de certo modo difícil.
DW África: Antes, ocorreu também o assassinato do jornalista Carlos Cardoso…
TVM: Carlos Cardoso é morto no ano 2000, mas já entramos no período em que há uma confrontação mais ou menos aberta entre liberdade de imprensa e o crime organizado, que é um dos fatores de cerceamento de liberdades. No caso moçambicano, temos como fatores que marcam mais ou menos abertura; o primeiro fator: é a tentativa de controlo político da media que nunca deixou de existir, segundo fator: o crime organizado, e o terceiro fator: a debilidade económica das empresas jornalísticas. Estes três fatores marcaram mais ou menos a abertura ou o fechamento do espaço de liberdade de imprensa em Moçambique a longo destes 25 anos. Como digo, não foi linear. Cada período teve as suas próprias singularidades, mas no computo geral o quadro formal legal é bom. A Constituição da República, a Lei de Imprensa, Lei de Direito à Informação são quadros de regulamentação muito positivos.
Aliás, na região da África Austral, Moçambique ainda se mantém como um país modelo, em termos formais, repito. Porque há países na região que regrediram bastante, mesmo em termos de legislação. A África do Sul, que era um país modelo, hoje regrediu bastante. O Zimbabué quase não se conta.
DW África: Mas comparado com outros países da África lusófona, como Angola…?
TVM: Na minha opinião, Moçambique ainda está em situação positiva mesmo em relação a Angola. Ainda há um espaço mais ou menos aberto de independência da imprensa privada. Mesmo a imprensa pública em Moçambique, que já esteve muito mais independente do que está agora, ainda mantém um espaço de autonomia relativa, que dá para debates em linha direta, em que as pessoas telefonam abertamente e podem exprimir a sua opinião, criticar o Governo, temos na Rádio Moçambique todos os sábados a "Linha Direta”, temos nas televisões programas em direto em que as pessoas telefonam e criticam. Então, eu acho que ainda temos um espaço relativamente vasto, positivo, claro relativizando com o contexto político e de crise económica que agora Moçambique enfrenta.
Como sabe, o país foi agora exacerbado com a questão das dívidas ilícitas públicas. Quando um país entra em crise económica e social sempre as liberdades fundamentais são cerceadas, são as primeiras vítimas. Há um controlo maior dos poderes públicos sobre a opinião porque o país não está, digamos, 100 por cento a correr nos carris, passe a expressão. Quando é assim sempre deve-se esperar um pouco mais do impulso de controlo da media por parte dos poderes públicos. É um pouco esse o contexto moçambicano hoje.
DW África: Hoje, pode-se afirmar que ainda existe uma sensação de medo ou de insegurança que se estende a jornalistas e fazedores de opinião com consequências do agravamento da auto-censura?
TVM: A auto-censura é um fenómeno que deve ser visto com muito cuidado. Não é uma decisão voluntária do jornalista de se coartar a si próprio. A autocensura e uma resultante de um colete de forças em torno do jornalista. Que até podem ser forças invisíveis, mas que agem na sua consciência, ou porque teme perder o posto ou porque teme ser despromovido se for um posto de chefia. Portanto, quer dizer que há uma série de elementos à volta dele que o coartam e o empurram a um auto controlo e isso pode derivar, como dizia, de três fenómenos: maior controlo político, crime organizado e debilidade económica das empresas. Porque as empresas jornalísticas também dependem da publicidade. E, portanto, se uma empresa de comunicação social depende 80 porcento de anúncios de uma certa empresa há de ser muito cuidadosa ao abordar como é que essa empresa se comporta no mercado.
Se esta empresa presta maus serviços, ao mesmo tempo é a empresa que lhe dá publicidade, o jornalista vai se conter na crítica a essa empresa. Então, há uma série de elementos que determinam a autocensura, Neste caso, são os três elementos que mencionei.
DW África: Concluindo, as coisas têm estado a melhorar em Moçambique ou é preciso fazer-se um pouco mais para salvaguardar a liberdade de imprensa e de expressão?
TVM: Eu penso que nunca haverá em país algum do mundo uma situação em que está garantida a liberdade de imprensa. Mesmo nos Estados Unidos da América. Vemos agora o debate entre Donald Trump e a media. O Trump diz que a media é o pior parceiro mais hipócrita do mundo e a América é suposta ser um modelo. Portanto, não penso que haverá no mundo país algum onde a media esteja garantidamente livre de controlo porque é um local de disputa de poder. Agora, em termos relativos, penso que Moçambique já esteve mal – não posso esconder esse facto –, mas está agora a voltar aos carris de uma estabilidade em que há um espaço cada vez maior de liberdade de expressão e de imprensa como resultado da luta dos próprios profissionais de media. Não é oferta do poder político. Nunca foi. Ao mesmo tempo que a Lei de Imprensa foi aprovada resultou de um esforço da classe profissional. Como se lembra houve um abaixo-assinado de mais de cem profissionais que exigiram que a Constituição da República consagrasse a liberdade de imprensa de forma formal. E, portanto, é sempre uma relativa conquista da classe profissional na sua disputa com o poder político. É sempre assim em todo o mundo. Tem que haver uma luta constante e acho que é isso que está a acontecer em Moçambique.