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"O recenseamento só termina para quem milita na oposição"

António Cascais
10 de abril de 2024

Ativista Quitéria Guirengane critica processo de recenseamento eleitoral que decorre em Moçambique. Sublinha que o recenseamento só termina para aqueles "que militam na oposição ou que não têm uma filiação partidária".

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Recenseamento eleitoral em Manica
Recenseamento eleitoral para as eleições gerais de 9 de outubro decorre desde 15 de março em MoçambiqueFoto: Bernardo Jequete/DW

Em Moçambique o recenseamento eleitoral para as eleições gerais de 9 de outubro decorre desde 15 de março.

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) afirmou ontem que quase 60% dos eleitores - do total previsto até 28 de abril - já foram recenseados.

O porta-voz da CNE, Paulo Cuinica, admitiu "problemas pontuais" no recenseamento, sublinhando que o processo decorre em condições climatéricas adversas, devido às chuvas no país. Entre outros fatores, o responsável pontuou igualmente a situação de instabilidade na província de Cabo Delgado.

Em entrevista à DW África, a diretora executiva do Observatório da Mulher, de Moçambique, Quitéria Guirengane, expressa preocupação com a forma como está a decorrer o recenseamento eleitoral em Moçambique. A ativista social e política defende maior participação da sociedade civil e apela à responsabilização independente em casos de ilícitos ou fraude. 

DW África: Quais as dúvidas e preocupações da sociedade civil moçambicana no que diz respeito ao recenseamento eleitoral?

Quitéria Guirengane (QG): Como cidadã, devo dizer que estamos a falar de novos processos e velhos problemas. Os órgãos eleitorais vão culpar as intempéries, os ciclones, a guerra, a falta de recursos financeiros para os problemas que nós estamos a viver ao longo do recenseamento eleitoral. Mas há uma "desorganização organizada" constante nos processos eleitorais, em que as máquinas de recenseamento escolhem avariar quando se aproxima alguém que não milita no partido no poder (FRELIMO). Temos situações cíclicas de cidadãos com dupla ou tripla inscrição. E o problema das eleições em Moçambique é que o processo de recenseamento nunca termina. Termina oficialmente para aqueles que se suspeita que militam na oposição ou que não têm uma filiação partidária. Mas, para os outros, assistimos, até ao dia da votação, à impressão de cartões eleitorais.

DW África: Pode dar alguns exemplos de queixas que têm ouvido por parte de cidadãos?

QG: Por exemplo, as pessoas vão recensear-se, chegam lá e a máquina não funciona, dizem para ir buscar o cartão no dia seguinte. Porque é que os cartões têm de ser impressos à noite sem a presença do proprietário do cartão? É algo que ocorre completamente à margem do que a legislação eleitoral prevê e é uma ação criminosa que deveria ser devidamente sancionada.

Quitéria Guirengane
"Temos instituições que não têm integridade, não têm ética. Isso está claro em Moçambique", afirma Quitéria Guirengane Foto: privat

DW África: Por lei, a sociedade civil deve ter condições para escrutinar, para observar o processo de recenseamento eleitoral? Acha que a sociedade civil está, de facto, em condições para fiscalizar esse processo?

QG: Temos de entrar num conceito de que o problema da integridade é superior à questão da fiscalização ou da observação eleitoral.

DW África: E os agentes eleitorais designados para levar a cabo o recenseamento eleitoral em Moçambique são bem escolhidos? São as pessoas certas?

QG: Temos instituições que não têm integridade, não têm ética, isso está claro em Moçambique. Ao mesmo tempo que queremos incentivar o cidadão moçambicano a aderir em massa ao processo eleitoral, estamos também a dizer aos órgãos eleitorais que a melhor forma de colaboração da sociedade civil, sob o ponto de vista do controlo eleitoral, é a responsabilização.

Quantos processos disciplinares e processos administrativos resultaram das eleições do ano passado? Quantos processos de destituição e processos criminais resultaram das eleições do ano passado? A resposta é que todos os que foram criminalizados eram pessoas da oposição - aqueles que votaram na oposição, ou pessoas da sociedade civil que denunciaram alguma fraude. De resto, não há nada.

DW África: Há dias, o Centro de Integridade Pública (CIP) denunciou o facto de os partidos representados no Parlamento estarem a negociar, à porta fechada, a revisão da lei eleitoral. Essa revisão não deveria abranger também a sociedade civil?

QG: Essa revisão deveria abranger todos os setores da sociedade. Nós, de facto, temos visto que é sempre à porta fechada que se decide o futuro dos moçambicanos. Todas estas questões distanciam mais o cidadão dos espaços de governação. Há uns anos, um cidadão na sua comunidade podia se afirmar e concorrer às eleições autárquicas como independente, mas, porque havia interesse e controlo partidário sobre os processos, houve um entendimento entre as partes que cortou essa possibilidade de um cidadão poder concorrer.

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