Moçambique: Pesca insustentável ameaça camarões
26 de julho de 2017O relatório foi realizado no contexto de um projeto que envolve 11 países europeus e divulgado a 30 de junho deste ano. O objetivo é promover um consumo sustentável de peixe e marisco até 2020. "Nós selecionámos alguns casos de estudo e o caso de estudo do camarão de Moçambique é um deles", explica Angela Morgado, que coordenou o estudo do Fundo Mundial para a Natureza (World Wildlife Fund, WWF na sigla em inglês) em Portugal.
A pesca de camarões é uma das atividades económicas mais importantes, devido ao elevado valor comercial, lê-se no relatório. A indústria pesqueira moçambicana movimenta, anualmente, entre 70 a 100 milhões de euros.
"Embora as populações de camarão de Moçambique tenham sido historicamente abundantes, encontram-se agora ameaçadas", de acordo com o documento. Publicado em Portugal, o estudo revela que a captura de camarão caiu de nove mil para 1.800 toneladas nos últimos anos, quando comparado com a década anterior ao ano 2012.
Pesca ilegal, não declarada e não regulada
Segundo o relatório, "a pesca ilegal, não declarada e não regulada é um problema em todo o mundo e custa anualmente a Moçambique 36 a 67 milhões de dólares (entre 30 a 57 milhões de euros)".
Reagindo a estes dados, o vice-presidente do pelouro do Agronegócio e Pescas de Moçambique, Muzila Nhatsave, garante que a pesca tem sido feita dentro dos procedimentos estabelecidos pelas autoridades nacionais.
Muzila Nhatsave afirma que é "mentira" que a venda de camarão é "fruto de uma pesca ilegal, não controlada e não reportada".
O membro da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) afirma que o objetivo do projeto é apelar aos consumidores da União Europeia (UE) a não consumirem o camarão de Moçambique. "O que eles [a WWF] estão a fazer é apelar aos consumidores a pensarem duas vezes ao irem comprar o camarão de Moçambique", disse à DW África.
Por outro lado, Angela Morgado, da WWF Portugal, salienta que o relatório "não é uma denúncia da pesca insustentável" do camarão em Moçambique. "É uma denúncia de como a opção dos consumidores na Europa determina toda uma cadeia na produção em países em desenvolvimento".
Ilegalidades ameaçam sustentabilidade
O relatório da organização ambientalista aponta também a possibilidade de grandes quantidades deste crustáceo pescado em Moçambique sair do país sem nenhum controlo.
Mais uma vez, o setor privado desmente. "Moçambique observa regras altamente rígidas na exportação do camarão e para entrar na Europa tem de se ter certificado de capturas”, diz Nhatsave.
Em resposta, Rita Sá diz que "os dados mostram que o recurso está em declínio e que não está em bom estado, por isso, se calhar, algumas das regras utilizadas não estão a ser bem aplicadas ou precisam de ser atualizadas".
O papel da União Europeia
O camarão é um dos principais produtos pesqueiros de exportação, sendo a UE o maior mercado de pescado do mundo. 82% do camarão pescado em Moçambique é exportado para a UE, sobretudo Espanha e Portugal, alerta a WWF no relatório.
O Fundo Mundial para a Natureza entende que ainda é possível colocar a pesca de camarão de Moçambique numa base sustentável.
Como ação imediata, a WWF apela ao consumo pela UE de peixe e marisco de forma moderada e a escolha de pesca sustentável. Com destaque para a Península Ibérica, a WWF apela aos consumidores europeus para fazerem "escolhas informadas, apoiando, desta forma, uma urgente melhoria na gestão desta pescaria”.
Pesca artesanal põe em perigo espécies
A pesca em Moçambique contribui com 400 milhões de euros para o Produto Interno Bruto (PIB) e 90% dos pescadores moçambicanos dependem da pesca artesanal, segundo o relatório da WWF.
"A única coisa que é verdadeira no relatório é que o Governo tem de tomar medidas em relação à pesca com uso de artes nocivas, feita pelos próprios pescadores artesanais", contrapõe Nhatsave.
Rita Sá, da WWF, indica que os pescadores artesanais pescam camarão juvenil antes deste ter a oportunidade de se reproduzir. "A pesca artesanal ilegal, não regulamentada e não reportada é mesmo muito grave porque qualquer pessoa pode ir pescar o que quiser e não precisa de reportar a ninguém o que foi fazer", refere.
A ilegalidade não permite chegar a números, explica a ambientalista. "Não há a mínima informação sobre o que é que se está a fazer. Ainda por cima é numa parte do ciclo de vida do camarão que é mais sensível, é na parte em que são juvenis", adianta Rita Sá.
A CTA frisa também a necessidade de regras. "Não nos interessa ter artesanais a pescar de forma descontrolada porque depois vão dar cabo do peixe todo, pondo em risco as atividades", explica o vice-presidente do Agronegócio e Pescas.
"Regulamentá-la [a pesca artesanal], fazer com que a regulamentação seja cumprida e fazer uma grande monitorização do que se passa", defende Rita Sá.
"Se nada for feito, a continuação da disponibilidade – e mesmo da sobrevivência – do recurso pode ficar em risco”, conclui a WWF.