Modelo de dois centros de poder em Moçambique não pode vingar
12 de novembro de 2014Filipe Nyusi foi eleito a 15 de outubro como novo Presidente moçambicano, mas o seu antecessor, Armando Guebuza, deve permanecer como líder do partido no Governo, FRELIMO, até 2017. Para Titus Gwemende, especialista em indústria extrativa na ONG OXFAM, citado pela agência de notícias LUSA, isso pode "significar que o país será dirigido por dois centros de poder". A DW África ouviu o especialista moçambicano em boa governação Silvestre Baessa sobre o cenário que se avizinha.
DW África: Se realmente houver dois centros de poder, que cenário vê em termos de governação?
Silvestre Baessa (SB): Penso que vai ser difícil. Repare que o novo Presidente conseguiu uma maioria boa, mas os resultados de uma maneira geral não são muito favoráveis, independentemente de continuar a governar com uma maioria absoluta. Então, com um novo Presidente que não tem o mesmo nível de militância que os outros têm no partido, precisa ter poder suficiente dentro do partido para que possa implementar a sua agenda. Então, vai ser complicado para o Presidente Nyusi governar numa situação dessas. Por outro lado, acho que existe nas estruturas do partido a consciência de que não há uma experiência, pelo menos dos tempos mais recentes, da existência de dois centros de poder na FRELIMO. No seio do partido há uma consciência de que é preciso inverter essa situação. Prevejo uma intervenção, um arranjo que vai permitir aumentar a influência do atual Presidente na direção do partido e assim reduzir a do chefe de Estado cessante.
DW África: A semelhança do que aconteceu, por exemplo, com Joaquim Chissano quando Armando Guebuza se tornou Presidente?
SB: Sim, em que o Presidente Guebuza passa a desempenhar funções mais honorárias e o Presidente Nyusi passa à liderança efetiva do partido. Naturalmente que existem outros elementos dentro do partido que vão continuar a jogar a favor do Presidente cessante, do secretário-geral que foi recentemente eleito e do novo secretariado que parece estar em linha com o Presidente cessante. Mas penso que são questões que poderão ser revertidas uma vez que se aceite uma mudança de liderança para permitir que o novo Presidente tenha o poder suficiente para governar.
DW África: Afonso Dhlakama e a RENAMO conseguiram a maioria dos votos nas províncias mais ricas em minerais e hidrocarbonetos e que são agora o polo de desnevolvimento de Moçambique. O Governo poderá ser pressionado a incluir a RENAMO no seu elenco por causa disso?
SB: Faria muito sentido se nas assembleias provinciais a RENAMO tivesse algum poder para impedir o funcionamento do Governo ao nível das províncias. Mas não vejo que as coisas possam ser assim. Porque quando olhamos para isto vemos que é por via das assembleias que eles vão exercer essa sua maioria. E a questão é saber se as assembleias têm o poder de mudar alguma coisa. Se sim, então podemos considerar que estamos perante uma situação em que o Governo será obrigado a negociar. Naturalmente que a RENAMO vai tentar capitalizar isso de várias outras maneiras, mas não me parece que seja uma arma muito poderosa para forçar mudanças, ou que pudesse resultar na integração de elementos da RENAMO no Governo.
DW África: Caso venham a existir, realmente, os dois centros de poder, qual será a nova plataforma de relação entre o Governo e os doadores internacionais?
SB: Se no atual contexto já é difícil, imagino que seria ainda muito mais complicado. Atualmente as relações entre o Governo e os doadores internacionais baseiam-se sobretudo no quadro do apoio ao Orçamento Geral do Estado, OGE, através do G-19 (grupo de doadores internacionais de Moçambique), etc, e onde existe cada vez mais um sentimento de frustração por parte dos doadores, porque essa agenda não tem estado a avançar, principalmente nos assuntos mais políticos onde a posição do partido FRELIMO é determinante. Nas matérias mais tecnocratas o processo tem estado a avançar. Com uma situação de dois poderes fica muito complicado, não só para os doadores terem um papel mais ativo, como também verem alguns dos seus pontos principais serem respeitados pelo regime. E percebendo que ainda é relevante a presença dos doadores em Moçambique, penso que há interesse no seio do novo Governo que esses dois poderes não existam e que ao existirem, mais cedo ou mais tarde, teriam de ser reduzidos a um poder mais forte, no qual o partido teria sempre uma opinião sobre os assuntos que considerar prioritários.