Moçambicanos respondem à onda de xenofobia sul-africana
17 de abril de 2015
Em Moçambique, a população está indignada com a situação dos seus compatriotas na África do Sul e já começou a dar resposta à violência xenófoba: há trabalhadores sul-africanos a serem expulsos do país, foi convocada uma manifestação para este sábado (18.04), e foram lançados apelos para um boicote à economia sul-africana.
Em Maputo e em quase todos os cantos do país, estão na ordem do dia desabafos e ondas de solidariedade, principalmente nas redes sociais. Desta vez, os moçambicanos decidiram retaliar de forma pacífica, apesar de terem expulso alguns sul-africanos do país, nomeadamente os trabalhadores da empresa SASOL, na província de Inhambane, e os da transporadora Vaal Maseru.
Nesta sexta-feira (17.04), um cordão humano está a impedir a entrada de sul-africanos na região fronteiriça de Ressano Garcia, enquanto está a ser preparada uma manifestação pacífica contra a xenofobia para este sábado (18.04) a partir das nove horas, na cidade de Maputo.Boaventura Monjane é o representante do movimento, e explicou à DW África o que pretendem com a manifestação: “Queremos, em primeiro lugar, patentear a nossa solidariedade para com os nossos irmãos vítimas de ataques xenófobos na África do Sul. Trata-se de um modo de dizer a todos os moçambicanos vítimas da violência xenófoba que estamos todos juntos e solidários, e que Moçambique estará sempre de braços abertos para acolher os seus filhos caso estes queiram regressar a casa”.
Mas Monjane sublinha, por outro lado, que os manifestantes têm também como objetivo “pressionar os Governos da África do Sul e de Moçambique para que cheguem a um entendimento e encontrem uma solução permanente e definitiva para este problema da xenofobia na África do Sul, que é recorrente”.
Manifestantes vestidos com camisolas pretas
Esta manifestação, na qual todos os participantes deverão vestir camisolas pretas, terminará em frente à Embaixada sul-africana e conta já com muitos apoiantes, como foi apurado pela DW África.
Sérgio Mabombo, ator, é um deles, e disse à DW África que condena "de forma muito clara essas atitudes xenófobas de alguns cidadãos sul-africanos, por se tratarem de atos inadmissíveis entre países vizinhos e irmãos”.Hassane Jamaldine é um outro cidadão que se sente revoltado e que estará presente na manifestação: “sou solidário para com todos os africanos vítimas dos atos xenófobos que mancham toda a sociedade sul-africana. Acho que os nossos vizinhos estão a ser injustos... ou será que têm memória curta em relação àquilo que Moçambique fez pela África do Sul na altura do apartheid? Milhares de moçambicanos morreram vítimas do sistema de segregação racial na África do Sul, precisamente por terem apoiado as forças nacionalistas. Mas parece-me que tudo isto não diz absolutamente nada aos sul-africanos”, lamenta Jamaldine.
"Os sul-africanos são ingratos"
Tal como Hassane Jamaldine, muitos outros moçambicanos consideram que os sul-africanos são ingratos. Depois de sucessivos atos de xenofobia no país, sendo que no último foram mortos mais de 20 moçambicanos, muitos começam agora a dar uma resposta aos seus vizinhos.
Há quem apele até ao boicote da economia sul-africana, da qual Moçambique depende muito: “O que os moçambicanos podem fazer é acabar com as suas compras na África do Sul. Temos contribuído muito para o desenvolvimento da economia sul-africana, e se o cidadão comum moçambicano, a título individual, cessar de fazer compras na África do Sul, a economia do país poderá ser grandemente afetada”.
Quanto à viabilidade de um boicote, existem várias posições sobre o assunto. Sudekar Novela, o responsável da Associação dos Mukheristas de Moçambique (comerciantes que compram produtos a grosso na África do Sul), considera que: “não havendo uma percepção política e económica profunda por parte dos operadores, um boicote é possível e poderá em certa medida afetar a economia sul-africana, embora os moçambicanos fiquem também prejudicados. Qualquer intervenção nesse domínio poderá causar grandes transtornos comercialmente. Os negócios poderão sofrer muito”.
Por sua vez, o economista Hipólito Hamela, ligado à CTA, Confederação das Associações Económicas, garante que Moçambique não está à altura de boicotar o país vizinho: “Em termos de importações dependemos muito da África do Sul, portanto tal atitude parece-me impossível”.
A ONU mostra-se extremamente preocupada com a violência xenófoba que afeta as cidades sul-africanas, e que em Durban e Joanesburgo já causou seis mortos e desalojou mais de 5.000 estrangeiros.