Crise na retirada militar é o resultado de acordo verbal
10 de julho de 2017Em Moçambique, as negociações de paz estão a ser marcadas por desmentidos por parte dos lados antagónicos. Por um lado, o Governo a insistir que há retirada das suas posições militares do reduto da RENAMO e por outro, o maior partido da oposição a desmentir. A DW África entrevistou o especialista moçambicano em boa governação, Silvestre Baessa sobre o tema.
DW África: Que avaliações se podem fazer deste desmentidos no contexto das negociações de paz, até aqui consideradas no bom caminho?
Silvestre Baessa (SB): Acho que esta é uma implicação direta de um acordo com pouca tecnicidade, ou seja, temos mais um gentlemen's agreement. Pelo menos oficialmente não há detalhes do que o acordo pressupõe para além da desmilitarização e das movimentações das posições. Por outro lado é um acordo que está a ser monitorados pelas partes diretamente envolvidas, não temos uma terceira parte, seja nacional ou internacional, a fazer a verificação do cumprimento desse acordo ao ponto de nos dar uma versão diferente. E terceiro ponto, não me parece que este acordo verbal, olhando para as informações [disponíveis], sobretudo do lado do Governo, não me parece que tenha sido ratificado ao mais alto nível do partido [FRELIMO], creio eu. Um dos grandes desafios que o Presidente Filipe Nyusi tem até ao momento é conseguir impor-se no Governo, sobretudo nas Forças de Defesa e Segurança. Mas tem estado a fazer progressos significativos. Enquanto esse acordo não acolher o consenso de todos os grupos, sobretudo do que acreditam ainda na possibilidade de uma rendição e destruição da máquina militar da RENAMO penso que vai ser sempre complicado ter esse cumprimento efetivo do que foi acordado com o Governo.
DW África: O ministro da Defesa quer uma cedência por parte da RENAMO: o desarmamento. Acha que a RENAMO aceitaria abrir mão de um dos seus maiores trunfos?
SB: Creio que não, porque repare que as armas só se fazem sentir num contexto de desconfiança. O nível de desconfiança da RENAMO em relação ao Governo e sobretudo em relação às Forças de Defesa e Segurança é enorme. Enquanto essa confiança não crescer a RENAMO vai procurar manter aquilo que tem como seu elemento mais forte que são as armas. A questão da desmilitarização é apenas uma parte de todo um pacote negocial. Há a questão da descentralização que não se sabe bem em que estágio se encontra, então a questão da tensão militar neste momento está dependente de outros factores. Então, [a RENAMO] poderá aceitar parte dessa exigência do Governo e vice e versa.
DW África: Há que veja as reclamações da RENAMO como um sinal da sua fragilização político-militar. Há elementos sólidos para justificarem este tipo de avaliações?
SB: Acho que opção militar é sempre a última opção e este é o argumento que a RENAMO tem estado a explorar ao longo desse tempo, mas não é sustentável. Há vários elementos que entram na rota da fragilização da RENAMO que me fazem concordar com o argumento que a DW África coloca, primeiro é que o próprio presidente da RENAMO, Afonso Dhlakama, já não tem mais cinquenta anos e o desgaste físico e mental de toda uma vida de luta começa a refletir-se agora. As pessoas que o rodeiam, sobretudo a ala militar da RENAMO, os seus mais fiéis seguidores também não estão mais preparados para enfrentar situações de guerra longa, mas de baixa intensidade como esta situação.