Moçambique: "A elite política continua a desviar dinheiro"
20 de julho de 2021O Fórum de Monitoria do Orçamento alertou esta terça-feira (20.07) para o aumento da dívida pública de Moçambique, que caminha para uma situação de insustentabilidade "preocupante".
O fórum diz que as dívidas ocultas contribuem para a fraca capacidade de resposta à Covid-19 em Moçambique, devido à insustentabilidade da dívida pública e ao baixo desempenho do país nos ratings internacionais.
Num artigo publicado nesta terça-feira, o Fórum de Monitoria do Orçamento avança que os títulos de dívida da Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM) aumentaram de 500 milhões de dólares em 2015 para 900 milhões em 2020.
Em entrevista à DW África, Adriano Nuvunga, diretor executivo do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD) e um dos editores do referido fórum, diz que a evolução do rácio da divida pública é preocupante perante a incapacidade de reação do Estado, que foi engolido pela corrupção.
DW África: Como vê a situação da dívida pública moçambicana atualmente?
Adriano Nuvunga (AN): A evolução da dívida pública é preocupadamente galopante. Há duas questões muitos importantes: a primeira tem que ver com a própria capacidade do Estado moçambicano para atender aos desafios mais prementes, como a Covid-19, por exemplo. Em relação a isso, Moçambique recorreu ao endividamento. Isso elevou de sobremaneira aquilo que é a dívida pública. Daquilo que é conhecido em termos públicos, Moçambique juntou não menos do que 700 milhões de endividamento.
DW África: Isso também está relacionado com o aumento da dívida da EMATUM de 500 milhões em 2015 para 900 milhões em 2020?
AN: Isso decorre da incapacidade do Estado de fazer face ao serviço da dívida e ela tem estado a crescer justamente porque o Governo moçambicano não tem estado a cumprir com as obrigações.
DW África: Neste momento, como é que as agências internacionais estão a reagir a esta situação da dívida de Moçambique?
AN: Bastante mal. O atual rating de Moçambique, que é de "CC-", mostra claramente a degradação da posição do país pelas agências internacionais.
DW África: Os dados mostram que desde 2016 o país entrou numa crise de dívida pública com situação de sobre-endividamento. Como será a sustentabilidade no futuro próximo?
AN: É terrível. O futuro das finanças públicas em Moçambique é incerto por causa daquilo que aconteceu no passado que tem que ver com as dívidas que Moçambique tem estado a ser incapaz de pagar. Mas também por causa da corrupção que continua gravosamente e que ao mesmo tempo retira a concentração no setor produtivo para num futuro previsível trazer riqueza para o país e pagar a dívida pública. Neste sentido, o cenário que Moçambique apresenta é gravosamente perigoso.
DW África: Se não houver um alívio da dívida a curto-prazo, como o Estado moçambicano está a sugerir, quem vai pagar as dívidas públicas?
AN: As dívidas públicas hoje estão a ser pagas pelos moçambicanos. São os moçambicanos que estão a tirar os filhos das escolas, que ainda continuam a receber a mesma quantidade de meticais, mas são incapazes de atender às suas necessidades... O metical tem estado a desvalorizar por causa da situação da dívida. A economia de Moçambique não está a produzir. Os fatores de produção estão corroídos. São os moçambicanos hoje e as próximas gerações que vão ter de arcar com as consequências da má governação.
DW África: O povo pergunta nas ruas onde é que o Estado está a investir o dinheiro.
AN: A elite política continua a desviar dinheiro para a corrupção. Quando a economia não gera dinheiro para a corrupção, vão ao estrangeiro endividar-se para colocar dinheiro nos seus bolsos. O endividamento tem estado a servir os apetites consumistas da elite política de Moçambique.
DW África: Perante esta situação, vislumbra-se algum sinal de recuperação económica em Moçambique?
AN: Só quando o conflito na Bacia do Rovuma se resolver se pode retomar a trajetória de produção e monetização do gás. Com isto, desta maneira, fica difícil vislumbrar quando é que Moçambique pode tirar a barriga da miséria.