Militarização não é solução para Cabo Delgado
19 de março de 2021As Forças de Operações Especiais dos Estados Unidos iniciaram esta segunda-feira (15.03) um programa de formação de dois meses para reforçar a capacidade dos militares moçambicanos no combate aos insurgentes que têm protagonizado ataques em Cabo Delgado, no norte do país.
Na semana passada (10.03), o Departamento de Estado norte-americano também designou como terroristas a organização ISIS-Moçambique, também conhecida como Ansar al-Sunna, e o seu líder Abu Yasir Hassan.
Na vertente geoestratégica, Jasmine Opperman, investigadora do ACLED, plataforma norte-americana de análise de conflitos armados, entende o apoio dos EUA como um "verdadeiro passo para expansão da sua influência e presença" em Moçambique. Em entrevista à DW África, a especialista em contraterrorismo diz recear uma militarização de Cabo Delgado excessiva e contraproducente.
DW África: O facto de os EUA terem categorizado o ISIS-Moçambique como organização terrorista internacional vai lhes dar o poder de interferir na gestão interna da crise em Cabo Delgado?
Jasmine Opperman (JO): O que estamos a ver com a designação pelos EUA é verdadeiramente um primeiro passo para expandir a sua influência. E não apenas influência, mas também presença em termos de treino e o que se seguirá a isso. Não só em Moçambique, como também na República Democrática do Congo. Embora a Tanzânia não tenha sido mencionada, incluo também este país. É uma clara tentativa dos EUA se enraizarem em Moçambique e em vários países de África.
DW África: Esta classificação do grupo ISIS-Moçambique pode ofuscar as origens internas do conflito?
JO: Antes de mais, acho que foi uma grande surpresa ver os Estados Unidos anunciar o ISIS-Moçambique. Mesmo que tenha sido feita referência ao líder, há questões em aberto. Será ele [o tanzaniano Abu Yasir Hassan] o líder da insurgência? mas não concordo. Penso que dizer que se trata de um único líder é uma total simplificação. É a internacionalização de Cabo Delgado, ignorando as raízes locais do problema em causa. E ao dizer isto não estou a negar a voz dos extremistas. Mas isso dá um estatuto ao Estado Islâmico em Moçambique que este não tem. A preocupação agora é que a narrativa americana está a apoiar a narrativa do Governo de Moçambique, que não quer reconhecer as origens locais [do problema]. Por isso, é bem provável que vejamos - e o risco é extremamente alto - a população de Cabo Delgado e toda a insatisfação local serem negligenciadas.
DW África: Então, a soberania usada como escudo pelo Governo moçambicano para impedir a entrada estrangeira no país, cai?
JO: Por enquanto, não vejo Moçambique recuar na sua posição em termos de tropas estrangeiras no terreno. A enfase mantém-se no apoio ao treino militar. Mas o período de treino de dois meses previsto pelos EUA é demasiado curto para fazer qualquer diferença. Entendo que os EUA tentem expandir a sua influência e não me surpreenderia ver um aumento da presença estrangeira em Cabo Delgado.
DW África: Que contrapartidas quererão os EUA com o apoio militar que estão a dar às Forças de Defesa e Segurança?
JO: Estamos a assistir a uma política norte-americana focada no fornecimento de apoio e equipamento militar. Tal como já fez o Governo moçambicano, o objetivo é obter êxitos militares. O Iraque ensinou-nos que isto não é a solução. Mas os EUA e Moçambique vão permitir a militarização da região e a solução sustentável para as populações negligenciadas passará a ter uma importância secundária.