Moçambique: Julgamento de ex-embaixadores e as desconfianças
1 de fevereiro de 2019No dia 12 de fevereiro de 2019 começam os julgamentos dos ex-embaixadores de Moçambique nos Estados Unidos da América e na Rússia, Amélia Sumbana e Bernardo Xerinda, respetivamente. Segundo o Gabinete Central de Combate à Corrupção, são acusados de crimes de peculato, abuso de funções e pagamentos indevidos num valor de oito milhões de meticais (113 mil euros) cada um.
O anúncio dos julgamentos acontece simultaneamente a audição do caso Chang, que expôs, mais uma vez, a aparente inoperância do Ministério Público moçambicano.
Será que o caso dos embaixadores é uma tentativa da justiça moçambicana mostrar trabalho e imacular a sua imagem? O criminalista António Frangoulis não tem dúvidas e confirma que "é uma tentativa azafamada de querer lavar a vergonha."
E argumenta: "É que há um exercício de faz de conta, porque mesmo que queiram não é possível porque pela maneira como as instituições estão promíscuas e do lado do eixo do mal: da corrupção, do nepotismo, do lado do vazio dos valores não há-de ser possível elas, de per si, fazerem o volte-face elas mesmas contra elas mesmas."
Desconfianças da proatividade a alta velocidade da PGR
De acordo com o Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), as ilegalidades foram cometidas através do processamento de salários a funcionários já desvinculados das missões diplomáticas, do desvio do 13º salário dos trabalhadores, do pagamento fictício de passagens aéreas e reparação de viaturas, pagamento de ajudas de custos para os seus filhos, entre outras irregularidades.
Os factos terão acontecido entre 2003 e 2012 e só agora serão julgados, o que leva Lutero Simango, chefe da bancada parlamentar do MDM, o segundo maior partido da oposição, a desconfiar das instituições de justiça.
"O assunto Chang, do embaixador da Rússia, como o da senhora que esteve como embaixadora nos EUA houve denúncias e na altura eles simplesmente não reagiram. Então, qualquer proatividade agora a ser feita a uma alta velocidade visa um único objetivo: lançar areia [nos olhos] do povo moçambicano", acusa o deputado.
"Beatriz Buchili perdeu a oportunidade de continuar calada e muda"
E numa aparente referência ao caso Chang, a procuradora Beatriz Buchili disse esta semana que "de nada vale atacar esta ou aquela instituição porque ninguém virá fazer justiça por nós. Há um desafio de resgate da confiança do nosso sistema da justiça".
A afirmação pode ser entendida com uma tentativa de ganhar confiança e remediar a imagem chamuscada da Procuradoria Gera da República?
António Frangoulis é de opinião de que "de modo nenhum ela salva a pele dizendo coisas tão espalhafatosas como essas. Eu só posso resumir isso numa única afirmação: ela simplesmente perdeu a oportunidade de continuar [calada e muda], porque ela já anda silenciosa desde que este caso [Chang] rebentou. Nesta altura está tudo a bater contra o lado dela."
Esta semana a Procuradoria Geral da República (PGR) criticou a morosidade na tramitação de casos de corrupção por parte dos tribunais. Ela afirma que "há muitos processos que já foram acusados há anos, mas que estão a hibernar sem qualquer explicação".
Estes pronunciamentos são entendidos por alguns setores como uma tentativa de sacudir a água do capote.
Em ano de eleições julgamentos das elites serão arrastados?
Sobre a duração do que se consideram "julgamentos - teatro", Lutero Simango acredita que se vão arrastar até 2020: "Não se esqueça que estamos em ano eleitoral. Se eles querem, de facto, julgar as pessoas que decidam e apliquem a sentença antes de junho, antes que inicie a campanha eleitoral. Que condenem as pessoas como manda a lei e ela é bem clara, a maior parte desses casos de corrupção dá no mínimo oito anos de prisão."
E o caso dos embaixadores é um dentre muitos que marcam o início do ano judicial que arrancou nesta sexta-feira (01.02.).
E foi neste dia em que o Tribunal Supremo decretou a prisão preventiva contra o ex-ministro das Finanças. Manuel Chang detido na África do Sul a 29 de dezembro, a pedido da justiça dos EUA, é acusado de crimes financeiros relacionados ao caso das 'dívidas ocultas' de Moçambique. Mas no país o caso não conheceu publicamente desenvolvimentos, apesar de estar nas mãos das justiça há cerca de três anos e meio.