Moçambique: Os candidatos não se podem declarar vencedores?
15 de outubro de 2024A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique intimou Venâncio Mondlane a abster-se de "incitação à violência". Em causa está a autoproclamação como vencedor das eleições do candidato presidencial apoiado pelo partido PODEMOS na votação da semana passada.
Chamado pela DW África a comentar esta ação da PGR contra Venâncio Mondlane, o jurista moçambicano Vítor da Fonseca diz tratar-se de "intimidação".
DW África: A PGR moçambicana intimou Venâncio Mondlane a abster-se de "agitação social e incitação à violência". Como podemos interpretar esta intimação? É um aviso sobre uma possível acusação de "crime de desobediência"?
Vítor da Fonseca (VF): A Procuradoria-Geral da República não explicitou o que pretende com esta notificação. Em primeiro lugar, a PGR emitiu ontem (14.10) um comunicado em que se dirigia, em geral, à nação moçambicana, a todos os partidos e candidatos presidenciais, e [avisava] para não se autoproclamarem como vencedores das eleições. A PGR dizia que quem o fizesse podia incorrer num ilícito eleitoral [pois poderia estar] a incitar à violência.
Se, por alguma eventualidade, esta notificação é neste momento dirigida a Venâncio Mondlane, trata-se, na minha opinião, de uma questão de intimidação à sua pessoa e a outras que possam reivindicar eleições justas.
DW África: Mas há algum artigo na lei moçambicana que diga que os candidatos não se podem autoproclamar vencedores das presidenciais?
VF: Em linhas gerais, não. A lei eleitoral refere apenas que é a Comissão Nacional de Eleições que tem legitimidade para proclamar os resultados.
O que pode [estar na base da autoproclamação] é uma situação de falta de credibilidade das instituições do Estado depois das eleições autárquicas de 2023, que tiveram repercussões negativas e [colocaram em causa] a fiabilidade das instituições.
DW África: Essa tese de "intimidação" explica o facto de apenas Mondlane ter sido intimado, como tanto se tem questionado no debate público?
VF: A Procuradoria-Geral da República ainda não notificou a Comissão Nacional de Eleições para se pronunciar sobre [denúncias de] ilícitos eleitorais como o enchimento de algumas urnas. No entanto, sendo o Ministério Público o garante da legalidade, devia ter acautelado estas situações que vêm se chamando à colação. E nós sabemos muitos bem, a figura de Venâncio Mondlane cria certamente uma ameaça a várias instituições públicas e privadas.
DW África: Que consequências pode ter esta intimação?
VF: O Código do Processo Penal faz referência à necessidade de contraditório. Não basta simplesmente indiciar alguém sem que essa pessoa tenha a possibilidade de se defender. Todo o indivíduo goza da presunção de inocência até prova em contrário. Tendo acesso a todas as atas a nível nacional, Venâncio Mondlane poderá ter-se autoproclamado [vencedor] nessa vertente. Mas também é sabido que houve desinformação por parte de várias instituições e órgãos de comunicação social relativamente aos resultados.
[Por outro lado,] sabemos que as instituições do Estado se articulam com o que o Governo pretende, há ordens para cumprir e essas ordens podem ser emanadas [ilegalmente].