Moçambique prepara documento para despartidarizar o Estado
11 de fevereiro de 2015A equipa que está a desenhar a proposta de redução do papel da FRELIMO, o partido no poder em Moçambique, nos serviços públicos é composta pelo ministro da Justiça, Abdul Remane de Almeida, Eduardo Namburete da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e o reverendo Anastácio Chembeze do Observatório Eleitoral.
A próxima segunda-feira (16.02), dia de mais uma ronda de negociações entre a RENAMO e o Governo da FRELIMO, é a data limite para a apresentação da proposta.
Caso as partes concordem com a proposta deverão dar-lhe o devido encaminhamento, revelou em entrevista à DW África o reverendo Anastácio Chembeze.
DW África: Como é possível assegurar a colocação de quadros por mérito na função pública e não por filiação partidária?
Anastácio Chembeze (AC): Penso que, neste momento, o Estado criou dispositivos. Creio que o temos que fazer é ter um mecanismo de controlo e de monitoria. E isso, de facto, tem de acontecer. Por exemplo, o estatuto geral dos funcionários e agentes do Estado diz o que os funcionários devem fazer, como devem proceder e tudo o mais.
Mas também há outros instrumentos que foram criados, como a Lei de Base da Administração Pública, sobre o funcionamento da administração pública, e a Lei do Procedimento Administrativo.
O desafio que nós temos é o de educar as pessoas a fazerem isso de forma apartidária porque não acredito que haja alguma obrigatoriedade nisso. Esta transição vai levar algum tempo, mas o mais importante é criar mecanismos para monitorizar e assegurar que isso aconteça.
DW África: Prevê-se algo no que diz respeito à nomeação de presidentes de conselhos de administração (PCA) de órgãos de comunicação públicos como a TVM – Televisão de Moçambique e a Rádio Moçambique (RM)?
AC: Não sei. Neste momento, o assunto ainda está em discussão. E sendo eu um dos mediadores tenho alguma dificuldade em comentar até que as partes cheguem a acordo.
DW África: E como é possível assegurar uma cobertura jornalística mais equilibrada no que diz respeito principalmente à RM e à TVM?
AC: Primeiro, é preciso haver vontade política para isso acontecer. E os profissionais devem ter o comando para trabalhar de forma mais aberta, transparente e apartidária. Porque, de facto, se os órgãos são públicos devem servir o interesse público. E o interesse público é apartidário.
DW África: Por exemplo, os jornais Notícias e Domingo são órgãos estatais que não têm grande credibilidade exactamente por serem do Estado e ligados à FRELIMO. Acha que um jornalismo nesta linha é algo para se manter ou realmente não faz sentido?
AC: Acho que é necessária uma revitalização, de maneira a manterem o seu papel real, porque são importantes e desempenham um papel fundamental na sociedade, têm maior abrangência e possibilidade de recursos. Se estes órgãos desempenharem o seu papel de forma a informar e formar as pessoas serão um olho crítico para todo o processo de governação. E então as pessoas vão sentir-se parte.
Aliás, olhando para o discurso de tomada de posse do Presidente [Filipe Nyusi], ele fala da necessidade de toda a sociedade monitorizar o processo de governação. A imprensa tem esse papel. E embora seja pública, não significa que não deve ser crítica. Ser crítico não significa ser contra. Ter um olhar mais crítico até pode fazer sugestões para melhorar.
DW África: E acha realista conseguir despartidarizar o Estado quando o maior partido da oposição, a RENAMO, por exemplo, exige a partidarização das Forças Armadas do país e da polícia?
AC: De facto, é um paradoxo. Gostava de esperar e ver o rumo que vai seguir esse documento sobre a despartidarização. Porque se, por um lado, está-se a advogar a despartidarização do Estado e, por outro, está-se a partidarizar ou a bipartidarizar, há, de facto, um paradoxo. E parece que a discussão que estamos a fazer não tem como objetivo servir um interesse público único e fazer com que as instituições sejam cada vez mais credíveis.