Moçambique só paga as dívidas ocultas "se quiser", diz réu
12 de outubro de 2021O arguido António Carlos do Rosário disse, esta terça-feira (12.10), em tribunal que não há provas de que o Estado moçambicano esteja a pagar as "dívidas ocultas".
Segundo o antigo diretor das empresas MAM, Ematum e ProIndicus, se o Estado está a pagar as dívidas é porque quer.
"O que a garantia faz é dizer 'nós conhecemos este assunto' e, se não houver pagamento por questões de força maior, só força maior - e foi o que aconteceu-, é aí que o Estado vai ter que entrar. Mesmo assim, o Estado não vai entrar se não quiser, porque há sempre mecanismos de diálogo", argumentou durante a audição.
Garantia 'para restaurar dívida'
O Ministério Público (MP) perguntou, no entanto, ao réu porque é que houve uma discrepância no valor da dívida da ProIndicus, que vencia em 2015, de 90 milhões de dólares, em relação à garantia solicitada ao Estado, de 278 milhões de dólares. "Ou seja, 188 milhões de dólares a mais. O que se pretendia fazer com os 188 milhões de dólares a mais?", questionou o MP.
O arguido justificou que o valor se deveu a "questões operativas, questões operacionais".
Mas o MP desconfia que o réu, na qualidade de PCA das três empresas que endividaram Moçambique em 2,2 mil milhões de dólares, tenha solicitado a garantia de 278 milhões de dólares para restaurar a dívida anteriormente assumida.
António Carlos do Rosário, que foi também diretor da Inteligência Económica dos serviços secretos, respondeu: "Não estava a contrair outra dívida; garantia não é dívida. Garantia é simplesmente um papel que nos permite ir ao credor e dizer: 'devíamos pagar, como está aqui, 278 milhões, mas a parte que caberia [...] é dar algum conforto aos bancos'."
"Não temos dinheiro hoje, mas temos uma carta conforto, que é a garantia", resumiu.
O Ministério Público não ficou convencido com a explicação porque, como entendeu a procuradora Ana Sheila Marrengula, a garantia transforma-se automaticamente numa dívida para o fiador, quando o devedor não paga.
"Tanto mais que o Estado moçambicano está endividado por conta do não cumprimento das obrigações assumidas pelas três empresas. Portanto, a garantia é sim uma dívida em potência que o Estado moçambicano estava a assumir", sublinhou Marrengula.
Legitimidade dos contratos
Ainda em relação às dívidas das três empresas, o juiz da causa, Efigénio Baptista, quis perceber a legitimidade dos contratos para a implementação do Sistema Integrado de Monitoria e Proteção (SIMP), algo que seria da "competência do Governo" mas que teria sido feito sem o seu aval direto.
O réu respondeu prontamente: "O Governo, o Conselho de Ministros na altura, delegou poderes a três ministros: ministro da Defesa Nacional, do Interior e o ministro das Finanças, para os três, em representação do Governo, celebrarem um contrato de concessão do SIMP com a ProIndicus."
Aliás, segundo o arguido António Carlos do Rosário, a ideia de criar a empresa Ematum foi do então ministro da Defesa, Filipe Nyusi, o atual chefe de Estado moçambicano, para ajudar na proteção da Zona Económica Exclusiva.