Mário Macilau, sinónimo de fotografia em Moçambique
5 de maio de 2014Os seus retratos têm uma inconfundível marca e espelham emoções profundas que o fotógrafo diz ser também o resultado de uma troca de emoções.
Oriundo de uma família de Inhambane que emigrou para a capital moçambicana, Maputo, à procura de uma vida melhor, descobriu a paixão pela fotografia aos 15 anos. Trocou o telemóvel da mãe por uma máquina fotográfica e desde então não tem parado de fotografar.
Define-se com autodidata e considera que a paixão é a razão de tão bom trabalho. Mas isso Macilau só descobriu depois de um desencontro com os seus sonhos de infância, como contou em entrevista à DW África.
DW África: A fotografia foi algo inesperado no seu destino?
Mário Macilau (MM): Sou autodidacta, o quer dizer que aprendi a fotografar tudo sozinho. Mas através de pequenas experiências que fui tendo ao longo do tempo.
DW África: Sabemos que nos tempos que correm a técnica é muito importante para qualquer profissão. Sente nalgum momento a falta dessa técnica? Acha que isso o prejudica de alguma maneira?
MM: Não, acho que é ao contrário. Porque sou autodidacta e, sendo assim, sou de opinião que não se ensina a ninguém a ser artista. Primeiro, existem certos elementos que são importantes. É acima de tudo a questão de se fazer ou de praticar o que se faz com alma. As coisas devem vir mesmo do coração e tem que haver uma paixão para tal. Então, eu não posso ir à faculdade ou a qualquer escola de arte ou de fotografia para aprender a ter paixão naquilo que quero fazer.
DW África: Sabe que o seu historial de vida torna o seu trabalho, a sua arte, o seu talento muito mais interessante. Sabemos que de vendedor de rua, batalhador pela sobrevivência, passou a fotógrafo conceituado internacionalmente. Durante esse percurso difícil teve obviamente um sonho de vida, que não era ser fotógrafo, como já disse. O que é que queria ser?
MM: Imaginei várias vezes o meu futuro. Antes queria ser jornalista, depois queria ser motorista, depois segurança, depois queria ser traficante! Então, foram sempre essas ‘imaginações’ que tive como sonho.
DW África: E em que momento sonhou ser traficante? Nalgum momento de desespero?
MM: Não, não tinha nada a ver com desespero pessoal. Tinha a ver com a forma como eu via o mundo. E, na verdade, eu queria ser traficante ou ladrão mais para ter dinheiro para poder ajudar os pobres.
DW África: Uma espécie de Robin dos Bosques ou, no caso, de “Robin da Cidade”…
MM: Sim. (risos) Exatamente!
DW África: E a sua família naturalmente não o apoiou nessa ideia.
MM: Exato. Não apoiaram.
DW África: Sei que a sua família respeita o seu amor pela fotografia, mas também sei que não o compreende. Por que motivo?
MM: Neste caso estamos a falar de classes. Eu venho de uma família de classe baixa. Quando comecei a fotografar não sabia e não entendia nada sobre arte e nem sabia o que estava a fazer. Comecei a fotografar há 15 anos atrás. Tinha 15 anos quando descobri essa minha paixão pela fotografia. Comecei a fotografar apenas por paixão, porque sentia prazer, porque gostava, mas não sabia o que estava a fazer.
DW África: Disse que vem de uma família pobre. E uma máquina fotográfica custa caro. Como foi conseguir a primeira máquina?
MM: Consegui a primeira máquina fotográfica porque era o mais velho na minha família. A minha mãe tinha um telemóvel, que estava sob a minha responsabilidade, e daí apareceu alguém com uma máquina fotográfica para vender. Mas eu não podia comprar essa máquina. Então fiz a proposta de trocar o telemóvel pela máquina fotográfica. A pessoa nem pensou duas vezes e fizemos o negócio.
DW África: O que é que mais gosta de fotografar?
MM: A minha fotografia é documental. Trabalho mais com as pessoas e com as histórias ligadas ao dia-a-dia da nossa sociedade, com a forma como as pessoas vivem e como se relacionam. Trabalho também com questões ambientais, património cultural. É a área em que tenho trabalhado mais.
DW África: Gosta de fotografar apenas pessoas e situações referentes a Moçambique ou tudo o que achar interessante que aconteça no exterior?
MM: A minha fotografia não tem fronteiras. Mas é claro que a fotografia documental depende do tempo e do assunto em causa.
DW África: Como é fotografar, ou melhor, mostrar e registar as emoções das pessoas, sentir a emoção, o clima, o ambiente? Como é que consegue fazer isso?
MM: Não é algo assim tão complicado, mas as pessoas devem aprender a fotografar não simplesmente com a câmara. Tem de haver uma interligação de emoções. Quando se faz um trabalho com emoção, o trabalho também sai bem. Quando estou a fotografar, não é simplesmente uma forma de tirar algo das pessoas. Também tenho que dar a minha emoção para poder tirar a emoção das pessoas e colocar as duas emoções numa imagem. Faço a fotografia com todo o meu amor e carinho e daí consigo também ter a fotografia com esse tipo de sentimentos.
DW África: A maior parte das suas fotografias é a preto e branco. Porquê?
MM: Para mim, a fotografia a preto e branco representa o nascimento da fotografia. E, para além disso, existe algo que para mim é muito importante: a fotografia a preto e branco é mais persistente em relação à fotografia a cores. É mais poética e persiste muito. Pode ver-se a mesma fotografia durante anos sem ficar cansado. E uma fotografia a cores é menos dramática. Tem uma força muito grande, mas apenas nos primeiros momentos.