"Não chega fazer a legislação, é preciso aplicá-la"
8 de março de 2017A delegação de Angola, chefiada pelo ministro do Comércio, Fiel Constantino, discute a partir desta segunda-feira (06.03), em Bruxelas, as linhas de um acordo de cooperação denominado "Caminho Conjunto Angola–União Europeia".
O entendimento visa elevar a parceria entre Angola e a união política e económica de 28 Estados-membros nas áreas de segurança e paz, crescimento económico, desenvolvimento sustentável, boa governação e direitos humanos.
Em cima da mesa deverá estar o projeto de uma possível cooperação a nível do setor bancário, nomeadamente para a supervisão da banca angola, atualmente mergulhada numa crise.
A fim de comentar a visita da delegação governamental angolana à União Europeia, a DW África entrevistou o economista angolano e diretor do jornal Expansão, Carlos Rosado de Carvalho.
DW África: Quais os principais objetivos da visita de uma delegação angolana, chefiada pelo ministro do Comércio, Fiel Constantino, a Bruxelas?
Carlos Rosado de Carvalho (CRC): O ponto principal da agenda deverá ser a questão do contexto bancário em Angola. Como sabemos, Angola está com problemas gravíssimos a esse nível, não tem bancos correspondentes nos Estados Unidos, as operações têm de ser feitas todas em euro, e o que acontece é que o Banco Central Europeu não considera como fiável a supervisão bancária angolana. Portanto isto, no limite, poderá levar à suspensão dos bancos correspondentes europeus. De alguma maneira, isto já se faz notar, porque, por exemplo, os bancos portugueses que operam em Angola foram praticamente obrigados a vender ou a reduzir as suas participações nos bancos angolanos. Portanto, espera-se que a União Europeia integre um processo de apoio técnico ao Banco Nacional de Angola. Cumprindo com as regras europeias, [Angola] naturalmente abrirá as portas ao mercado financeiro americano.
DW África: É viável uma supervisão de facto da banca angolana segundo os critérios da União Europeia?
CRC: Claro que é viável. Agora não chega ser um plano de intenções. O governador do Banco Central de Angola tem visitado as capitais europeias. Já esteve em Portugal, Itália, França e, embora fora da zona euro, esteve no Reino Unido. E, portanto, existe a intenção. Mas de intenções está o inferno cheio. É preciso que haja, de facto, medidas concretas que levem os outros países a acreditar em Angola. E um dos problemas que existe é com as pessoas postas [nos cargos] politicamente. Portanto, Angola tem de perceber que não é a comunidade internacional que tem de se adaptar às regras angolanas, mas é Angola que tem de se adaptar às regras internacionais. Angola já fez muito, nesse aspecto, em termos de legislação. Mas o que a comunidade financeira internacional diz a Angola é que não chega fazer a legislação, é preciso aplicá-la. E esse é o problema. Enquanto Angola não começar a aplicar a legislação que criou de nada servirão estes projetos de apoio técnico.
DW África: Que pontos de dissidência destaca entre a supervisão bancária e os parâmetros internacionais?
CRC: Em Angola, os ministros, governantes, governadores podem fazer negócios. Aliás, a banca angolana é controlada por uma elite, normalmente ligada a ministros, generais, governadores ou familiares e isto tem de acabar. Às vezes nomeiam para as administrações, filhos, parentes dos acionistas dos bancos e isto não pode acontecer, são coisas que internacionalmente não são aceites. Enquanto estas coisas que são normais em Angola não se alterarem, eu tenho muitas dúvidas que a supervisão angolana seja aceite internacionalmente. Dou um exemplo concreto: a senhora engenheira Isabel dos Santos é administradora do Banco de Fomento de Angola e do Banco BIC. De acordo com a lei angolana, ninguém pode ser administrador de dois bancos ao mesmo tempo.
DW África: Poderá este reforço da cooperação Angola-União Eurpeia, que se espera nas reuniões em Bruxelas, ajudar o país e os angolanos neste período de crise económica e financeira?
CRC: Não é o Governo de Angola nem os burocratas de Bruxelas que vão resolver os problemas dos angolanos. O que se espera é que se abram portas, de forma a que o setor privado angolano e o setor privado da União Europeia estabeleçam parcerias, negócios. Esses acordos servem para abrir portas. Depois é necessário que esses acordos sejam implementados. Aí é que, muitas vezes, surgem as dificuldades.