Namíbia: Quem são os donos das terras?
4 de outubro de 2018"O ritmo atual da reforma agrícola não é satisfatório", disse o Presidente da Namíbia, Hage Geingob, no início da Segunda Conferência de Terras da Namíbia, na segunda-feira (01.10). "O princípio das expropriações deve ser analisado cuidadosamente", afirmou.
As suas declarações levantaram a preocupação de que os proprietários brancos possam ter que abrir mão das suas terras para que os agricultores negros possam ser compensados.
Ainda antes do início desta conferência de uma semana, que termina na sexta-feira (05.10), o Presidente salientou que a resolução para a questão premente das terras deveria ser acelerada, mas não adiantou a forma como as expropriações seriam realizadas. Hage Geingob explicou apenas que o cenário atual "não é sustentável", uma vez que "o crescimento económico e a prosperidade não são partilhados". O chefe de Estado namibiano deixou claro também que seguir o exemplo do Zimbabué, que, há 20 anos atrás, expulsou de forma violenta das suas terras os proprietários "brancos", não é uma opção.
A reforma agrária tem estado também a ser debatida na vizinha África do Sul, onde, atualmente, o Governo autorizou expropriações sem indemnização.
Maioria é dos agricultores brancos
A Namíbia foi uma colónia alemã entre 1884 e 1914, tendo depois sido administrada durante vários anos pelo regime do apartheid na África do Sul. Durante este período, milhares de namibianos negros foram expulsos das suas terras. Até hoje, uma grande parte destas propriedades está nas mãos de alemães e sul-africanos: cerca de 70% dos terrenos agrícolas pertencem a agricultores brancos. A residentes negros, ou aos chamados negros socialmente desfavorecidos, pertencem apenas 16%, indicam dados da Agência de Estatística da Namíbia.
Desde a independência em 1990, o Governo da Namíbia tem procurado corrigir a desigualdade social e os erros cometidos na era colonial. O atual Executivo iniciou uma política de transferência de terras assente na vontade dos proprietários. No entanto, a iniciativa teve poucos efeitos. O Governo diz agora ser sua intenção transferir, até 2020, 43% - o equivalente a 15 milhões de hectares - dos terrenos agrícolas para as pessoas negras desfavorecidas. Até ao final de 2015, apenas 27% haviam sido redistribuídos, disse à imprensa local a União da Agricultura da Namíbia.
Conferência sem frutos?
Mas a conferência sobre a questão dos terrenos agrícolas "não vai mudar nada", afirmou Bernadus Swartbooi, líder do "Movimento dos Sem Terra na Namíbia".
Numa entrevista à televisão estatal NBC, antes do início da conferência, Swartbooi disse que "os sem-terra permanecerão sem terra, os sem-teto permanecerão sem casa e nada mudará no que diz respeito à devolução das nossas terras ancestrais". A sua associação não está a participar na conferência. Não foi convidada a contribuir com as suas preocupações.
Bernadus Swartbooi afirma ainda que as propostas da sua associação "não estão alinhadas com a ideologia do partido do Governo". Na opinião do líder do "Movimento dos Sem Terra na Namíbia", a devolução das terras já poderia ter acontecido há muito tempo. As pessoas desfavorecidas merecem que as propriedades lhes sejam dadas, sem qualquer tipo de pagamento: "Queremos reestruturar a sociedade namibiana e trazer de volta a dignidade àqueles que a perderam durante os anos de colonização".
Sociedade civil sem representação
Outros grupos tradicionais e representantes da sociedade civil também se afastaram do debate na capital Windhoek. Explicam que, a seu ver, não está a existir um diálogo aberto com todas as partes interessadas.
Naita Hishoono, diretora do Instituto da Democracia da Namíbia, é uma das vozes críticas ao evento: "Sociedade civil, académicos e representantes de países-chave estão a boicotar esta conferência porque assumem que as decisões já foram tomadas e que a conferência é apenas um espetáculo de relações públicas". Afinal, há eleições presidenciais no próximo e o "presidente está sob pressão", lembra.
Nico Horn é professor e é um dos participantes da conferência a decorrer na capital namibiana. À DW, afirma que, para já, os proprietários dos terrenos não devem ficar muito preocupados. "A expropriação sem compensação" não deverá ser debatida neste encontro, afirma. Até mesmo a questão da compensação está apenas a ser aflorada de uma forma muito básica.
"Um ponto quente, neste momento, na conferência é: o que significa compensação? No passado, a compensação foi sempre vista como um valor de mercado. Agora há uma espécie de resistência a isso. O sentimento entre os agricultores negros é que os preços têm sido inflacionados, e os agricultores brancos estão, é claro, a questionar: se não é o preço de mercado, então o que é que vendemos?".
Em qualquer caso, não é possível fazer a expropriação sem compensação sem se alterar, primeiro, a Constituição da Namíbia - embora os ex-Presidentes Sam Nujoma e Hifikepunye Pohamba tenham apelado a um referendo para emendar a Constituição como uma forma de abordar esta questão.
O Governo controla o discurso?
"Os mais afetados pelo genocídio, membros dos grupos étnicos herero e nama, também não participam, e exigem igualmente um diálogo aberto", afirma Naita Hishoono. O Executivo quereria a paz no país, uma redistribuição justa - mas sem "afugentar" os investidores. Segundo a responsável do Instituto da Democracia da Namíbia, "o Governo não quer prejudicar os agricultores que poderiam optar por migrar. A agricultura é uma das principais fontes de rendimento na Namíbia."
A questão de quem são os verdadeiros donos das terras permanece. E, para Nita Hishoono, é uma pergunta de resposta difícil. "Os povos indígenas da Namíbia não viam a terra como sua propriedade, mas como algo que pertence a todos", explica.
Vários líderes tradicionais exigem a transferência sistemática de terrenos ancestrais aos descendentes dos antigos proprietários.