"Nhongo é um guerrilheiro capaz", avisa ex-membro da RENAMO
15 de novembro de 2019Não se deve ter uma postura arrogante e desprezar Mariano Nhongo, o líder da autoproclamada "Junta Militar" do maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO). É o conselho de Raúl Domingos, antigo número dois do partido, em entrevista à DW África.
Nhongo lidera um grupo de guerrilheiros dissidentes, que contestam o líder da RENAMO, Ossufo Momade, e ameaçaram recorrer às armas. Domingos alerta que o líder da "Junta Militar" é um guerrilheiro "capaz, competente, conhecedor das matas", que não deve ser ignorado, porque "a guerrilha, quando tem motivação, é difícil de combater".
Raúl Domingos diz ainda que a comunidade internacional também é culpada por o país não estar a alcançar uma paz efetiva, estando "comprometida com o partido no poder", a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), por causa do gás.
DW África: Qual será o impacto da derrota da oposição nestas eleições?
Raúl Domingos (RD): Bom, em primeiro lugar não colocava a questão da derrota, uma vez que houve fraude e eleições fraudulentas não contam. Para mim, a fraude começa no recenseamento eleitoral.
A oposição peca por ter ido a estas eleições já de si fraudulentas. O ponto mais alto da fraude, sob o ponto de vista do recenseamento eleitoral, foi em Gaza. Uma província que tinha 13 assentos passa a ter 22 assentos. Ao ganhar nove assentos, significa que a população eleitoral de Gaza cresceu. Mas, de acordo com o Insituto Nacional de Estatística, este crescimento populacional corresponde ao ano de 2040. Está claro que, à partida, houve empolamento de números para justificar o resultado que nos apresentaram.
DW África: Os ataques no centro de Moçambique serão resultado deste cenário?
RD: Os conflitos pós-eleitorais foram sempre resultado de eleições fraudulentas. Em 1999, a RENAMO teve a maioria em seis províncias, mas, pelo exercício aritmético do STAE [Secretariado Técnico de Administração Eleitoral], não ganhámos. Como solução para estes conflitos pós-eleitorais, desenhou-se a possibilidade de descentralização, criando condições de que quem ganha numa província possa indicar o governador. Então, a partir daí o exercício da fraude foi feito com outras contas, em que se conseguiu uma maioria qualificada para permitir que o partido no poder continue de uma forma folgada. E isso há-de [significar] a continuação da instabilidade política e militar, porque ainda há homens armados por aí. A paz de que se fala é uma paz fictícia. Uma verdadeira paz passa pela reconciliação e eleições livres, justas e transparentes.
DW África: O general Nhongo constitui perigo ou não para o país?
RD: Muitas pessoas, ou por desconhecimento ou por mero desprezo ou arrogância, acham que Nhongo não é capaz disto ou daquilo. A minha experiência leva-me a dizer que a guerrilha, quando tem motivação, quando tem implantação, é difícil de se combater. A guerrilha tem combustível para se movimentar.
DW África: Conhece bem Mariano Nhongo?
RD: Não o conheço. Mas, pelas informações que tenho, em 1980, acho que era um jovem de 14 anos. Por estas alturas deve ter 52 anos. Cresceu nas matas, fez-se comandante. No último conflito, de 2012 a 2014, revelou-se bom guerrilheiro. O presidente Afonso Dlhakama [ora falecido] confiou-lhe posições altas na hierarquia militar naquele conflito. Sei que ele é um militar capaz, competente, conhecedor das matas, e é bom não desprezar esses conhecimentos e procurar ver as questões conflituosas e resolvê-las.
DW África: O que quer o general Nhongo, na sua opinião?
RD: Infelizmente, não tenho contacto com ele e não sei quais as suas reivindicações. Sei que, quando ele apareceu, reivindicava algumas questões que se prendiam com o DDR [Desmilitarização, Desmobilização e Reitegração] e com a estrutura do Estado-Maior, que tinha sido desmantelada pelo presidente eleito.
DW África: O que se pode fazer para que a Junta Militar pare os ataques?
RD: É preciso aproximá-los e ter uma conversa com eles.
DW África: Qual seria exatamente essa conversa?
RD: Saber quais são as reivindicações deles, ver o que se pode acomodar e chegar a um entendimento.
DW África: A verdade é que o país voltou aos ataques. Qual a receita para que o país tenha uma paz efetiva?
RD: Eu chamo a comunidade internacional para se conseguir uma paz efetiva. Porque, se estivermos atentos ao que aconteceu durante a campanha eleitoral, vimos que a comunidade internacional está comprometida com o partido no poder e não está a olhar para os problemas do país. Não faz sentido que, durante a campanha eleitoral, o candidato do partido no poder [a FRELIMO] fosse tratado ao mesmo tempo como candidato e como Presidente da República. Em qualquer parte do mundo, quando há campanha eleitoral, o Governo é de gestão.
A comunidade internacional, através das empresas ligadas ao gás, interrompia a campanha para anunciar pagamentos de mais-valias, certos acordos. Como é que se pode chegar a um acordo com um candidato, sabendo que está numa corrida eleitoral? Automaticamente, para a comunidade internacional, o resultado já era conhecido. Eu acho que nestas eleições se brincou às eleições. Fomos às eleições para o inglês ver, fomos às eleições a sabermos do resultado. A pergunta é, porque gastámos tantos milhões de dólares se já sabíamos o resultado?
DW África: Como avalia os acordos de paz assinados entre o Governo e a RENAMO?
RD: Nada aconteceu até hoje. Houve aquela cerimónia de 50 homens desmobilizados dos quais só seis entregaram armas. Onde estão a outras armas? Portanto, tudo isso foi um espetáculo para se ir à campanha com uma notícia, que é o acordo.
DW África: Se estivesse na RENAMO nesta altura, como iria tratar do desarmamento e integração dos guerrilheiros?
RD: Se estivesse lá, seguramente teria todas as informações que me permitissem agir. Mas agora estamos apenas em suposições. Como não estou lá, não posso trazer aqui receitas. É preciso estar lá para poder conhecer a situação e agir em conformidade.