“Muita gente foi morta à catanada” diz Raúl Danda da UNITA
27 de abril de 2015Em Angola, o caso Kalupeteka continua a agitar a sociedade e a causar divergências de posições/opiniões. Uma delegação parlamentar da UNITA, composta por cinco deputados, esteve no Huambo durante três dias (23/24/25.04), e numa conferência de imprensa no seu regresso a Luanda, o chefe da delegação, Raúl Danda, líder da bancada parlamentar do maior partido da oposição, falou em mais de 1000 mortos contra os cerca de 13 revelados pelo Governo do MPLA.
Recorde-se de que nove polícias terão sido mortos por seguidores da autodenominada "Igreja do Sétimo Dia a Luz do Mundo", liderada por Julino Kalupeteka, e em retaliação a polícia terá morto vários fiéis. O partido no poder nega os números apontados pelo maior partido da oposição.
A DW África entrevistou o chefe da bancada parlamentar da UNITA, Raúl Danda.
DW África: Que balanço faz da deslocação da delegação parlamentar da UNITA à região?
Raúl Danda (RD): Falamos com o senhor Governador Provincial, com o Administrador Municipal da Caála, onde os primeiros acontecimentos tiveram lugar, mas não conseguimos falar com o Comandante Provincial da Polícia porque, depois de nos ter confirmado o encontro, de repente teve de viajar sabe Deus para onde. Também não conseguimos ver o senhor Kalupeteka, apesar de o Governador Provincial nos ter garantido que o poderíamos ver, bastando para isso falar com o senhor Procurador Provincial. Queríamos ouvir do Kalupeteka o que o teria levado a matar nove polícias.
O senhor Procurador Provincial confirmou-nos a prisão do senhor Kalupeteka, mas disse-nos que este só poderia receber visitas de familiares próximos, mas sabíamos que ele não estava a receber essas visitas. Também não conseguimos falar com o Comandante militar, mas sabemos que estão também envolvidos elementos das Forças Armadas Angolanas. Conversamos com estas entidades, com elementos da sociedade civil, com elementos ligados às denominações religiosas, e inclusive com polícias, alguns dos quais de fato participaram nesta ação macabra.
O que pudemos constatar é que houve realmente muitas mortes. O Governo dizia que apenas tinham morrido nove polícias, enquanto as informações que recebemos apontavam para um número muito mais elevado. A própria polícia, na voz do segundo Comandante Geral, diz que houve três horas de fogo intenso, e sabemos que os homens de Kalupeteka não tinham armas... Então quem ficou a disparar durante três horas só podem ter sido aqueles que estavam armados, ou seja, a Polícia de Intervenção Rápida.
DW África: A delegação parlamentar da UNITA fala de 1080 mortos. Como chegaram a esses números?
RD: Recebemos informações das populações. O ato não se passou só naquele local, pois noutras aldeias muita gente foi morta também. Mataram centenas de pessoas. Dispararam indiscriminadamente contra pessoas que não tinham armas, e os danos não poderiam ser menores. Temos indicações de que muita gente foi também morta à catanada. Houve pessoas que foram tiradas de debaixo das suas camas e mortas. Uma ação destas não poderia fazer só mortos à partida, teria que haver também feridos, e no hospital não deu entrada nenhum ferido. As pessoas estão a ser simplesmente exterminadas.
DW África: A UNITA diz que vai solicitar uma comissão de inquérito. Ela já está a trabalhar?
RD: Dissemos publicamente na Assembleia Nacional que era preciso que fosse criada uma comissão parlamentar de inquérito, até porque, dada a gravidade da situação, a Assembleia Nacional, enquanto representante de todos os angolanos, devia agir já. Mas se me perguntar se eu acredito que esta comissão parlamentar de inquérito saia nos próximos dias, eu Raúl Danda, vou-lhe dizer muito honestamente que não acredito porque tudo aquilo que lese a entidade governativa vai ser bloqueado pela maioria parlamentar do MPLA no Parlamento.
DW África: O fato da "Igreja do Sétimo Dia a Luz do Mundo" ser considerada ilegal legitima a violência perpetrada pela polícia?
RD: De maneira nenhuma, e é esta a nossa preocupação. Se o senhor Kalupeteka matou por algum motivo que se desconhece, porque ainda ninguém ouviu o Kalupeteka, e se o fato de eles terem morto polícias constitui um crime, é igualmente um crime a polícia e as forças armadas matarem as pessoas da forma como mataram. Porque inclusivamente alguns dos próprios polícias dizem que aquilo que viram foi simplesmente aterrador. Nós temos imagens feitas por um ou outro elemento da própria polícia lá no local a incendiarem as casas, muitas pessoas mortas, etc., etc. .
DW África: A morte dos agentes da ordem coloca em causa a estrutura da polícia angolana no que diz respeito à força e competência. Esta repressão exercida sobre a população pode ser considerada como uma forma de repor a credibilidade da polícia e ao mesmo tempo de intimidar os apoiantes de Kalupeteka?
RD: Julgo que se isso é uma forma de repor este respeito, a polícia terá encontrado a pior forma possível. Continuamos a considerar que é verdade que foi subestimada qualquer reação de Kalupeteka, e mais uma vez reitero que era preciso também saber o que é que levou estes homens a reagirem assim contra a polícia. Era preciso que o governo dialogasse com Kalupeteka. Estas coisas não se resolvem com tiros, mas sim com diálogo. E quem deixou a situação chegar ao ponto a que chegou foi o próprio Governo angolano.