Nova Constituição egípcia pode prejudicar mulheres
18 de dezembro de 2012
A pergunta do referendo tem dividido o Egipto. A oposição acusa os islamistas de quererem islamizar cada vez mais o Estado. A Irmandade Muçulmana e os radicais salafistas acreditam que a oposição, a justiça e os média se juntaram com um único propósito: derrubar o primeiro presidente do Egito democrático, Mohamed Morsi.
No próximo sábado (22.12), terá lugar a segunda e última ronda do referendo ao projecto constitucional. Só depois dessa data se vão saber os resultados. Mas, se ganhar o "sim", a nova Constituição poderá ter consequências graves para as mulheres no Egito.
Nihad Abu el Konsam é feminista e muçulmana. Luta pelos direitos das mulheres de calças e casaco bege e lenço vermelho na cabeça. Nihad Abu el Konsam é a prova viva de que as mulheres egípcias conseguem viver segundo o Corão e estar em pé de igualdade com os homens. Mas isso pouco acontece no Egito, diz a advogada e presidente do Centro egípcio para os Direitos das Mulheres.
Mulher é praticamente excluída do texto da Constituição
El Konsam teme agora que a nova Constituição ajude os islamistas a voltar atrás no tempo.
"É um desastre", afirma. "As reuniões que tivemos com membros da Assembleia Constituinte foram cosmética. Nós fizemos uma série de propostas para artigos da Constituição. Mas os islamistas ignoraram tudo. Neste projecto constitucional, nenhum artigo menciona os direitos das mulheres – só à última da hora se formulou o artigo 10, onde se fala do papel da mulher como mãe, no seio da família", denuncia a ativista.
O voto de Nihad Abu el Konsam no referendo constitucional é, por isso "não, definitivamente não", já que considera que "esta Constituição vai fazer com que o Egito recue um século."
A ativista dos direitos da mulher não se cansa de repetir o "não" desde o início de Dezembro. Em entrevistas nos jornais e na televisão. E, nessas alturas, fazia questão de sublinhar que – tal como muitos outros oposicionistas egípcios – não está, em princípio, contra o sistema legal islâmico da Sharia.
Interpretação da Sharia pode levar à discriminação
"O artigo 2 estabelece que os princípios da Sharia são a principal fonte de direito", lembra, explicando que "isso não é um problema por si só, porque os princípios da Sharia são a igualdade, a dignidade humana e princípios partilhados por todas as religiões". No entanto, adianta a feminista, "a Constituição é bastante imprecisa. Não se expressa directamente a protecção para as mulheres. Tudo o resto depende da forma como se interpreta".
"Isso abre portas a uma interpretação muito fundamentalista, que discrimina as mulheres – e também outros cidadãos", conclui.
Nihad Abu el Konsam não se convence com as garantias dadas pelos membros da Irmandade Muçulmana de que todos os cidadãos serão tratados de igual forma à luz da nova Constituição. Da teoria à prática ainda vai uma grande distância, diz. A activista acumula há anos no seu escritório numerosos processos judiciais que provam isso mesmo: "Sou advogada. Nós trabalhamos com estes artigos, que concedem os mesmos direitos a todos os cidadãos. Mas há 40 anos que as mulheres sofrem discriminação em todas as áreas".
A ativista especifica: "Certos ramos da indústria são interditos a mulheres. Há discriminação nos salários e na formação. A taxa de desemprego é 4 vezes mais alta entre as mulheres do que nos homens. Não há quaisquer leis contra violência doméstica. E se formos a tribunal, os criminosos são absolvidos."
A Irmandade Muçulmana e os salafistas não iriam responder a nenhuma destas queixas, diz. Em vez disso, os islamistas iriam fazer mau uso da religião politicamente e, com isso, ganhar adeptos, refere Nihad Abu el Konsam, que, como muçulmana, se sente assim ofendida na sua própria fé.
"Os islamistas adaptaram tudo às suas necessidades. Prevê-se que a mutilação genital feminina seja, de novo, legalizada; que se reduza novamente a idade legal para casar. Alguns dizem para nove, outros para 11 anos. E que se coloque em causa o direito de divórcio". Por tudo isto, afirma a ativista, há ainda "uma dura batalha no futuro".
Autores: Guilherme Correia/ Cornelia Wegerhoff
Edição: Maria João Pinto/ António Rocha