Idai continua a causar fome em Moçambique
18 de dezembro de 2019As comunidades na área sul da província de Manica, no centro de Moçambique, continuam a sofrer com os efeitos do ciclone Idai que atingiu o país em março deste ano. Quase 20% dos habitantes de Dombe, no distrito de Sussundenga, alimentam-se de raízes e frutos silvestres, porque os fenómenos atmosféricos arrasaram a agricultura local.
A maioria dos afetados reside na localidade de Muoco, a mais castigada pelo Idai que causou centenas de mortos e destruiu extensas áreas agrícolas da província. O chefe da localidade, Wache Saguate, confirma que a fome provocada pela destruição do Idai afeta sobretudo as pessoas que não foram acolhidas pelos centros de acomodação criados pelo Governo.
"A situação [atual] deve-se à estiagem e ciclone Idai. Estamos com problemas de alimentação, porque para este ano nem sequer a segunda sementeira surtiu efeito, devido ao assoreamento dos rios. A população fez esforços para lançar uma nova sementeira, mas as pragas e a areia não favoreceram a produção das culturas, principalmente do milho", explica Wache Saguate.
Mangas e massala são alguns dos frutos que juntamente com raízes silvestres constituem agora a alimentação da população local. Essa improvisação está, no entanto, a afetar a qualidade da nutrição, sobretudo das crianças e das mulheres.
Deslocamento de populações
O agravamento da situação de fome está a provocar o deslocamento de dezenas de pessoas nos distritos de Chibabava e Mossurize. Outros procuram refúgio em Sussundenga, no Posto Administrativo de Rotanda. "A população desloca-se para o distrito vizinho para adquirir alimentação, para além de fazer biscates em troca de comida”, adianta o responsável.
A passagem do ciclone Idai provocou o assoreamento dos rios Lucite e Mussapa, bem como dos seus afluentes, agravando ainda mais a situação de seca na região.
Por outro lado, as mudanças na geografia local estão a inviabilizar a irrigação e a agricultura nas zonas ribeirinhas, áreas que outrora eram usadas pelos camponeses como alternativa às zonas altas dos rios.
Os residentes de Muoco dizem ainda que o ciclone agravou a seca na região, ao arrastar lodo para os campos agrícolas, fenómeno que está a impossibilitar o desenvolvimento normal das culturas.
"Estamos a sobreviver de papas de manga aqui em Dombe. As nossas terras já não produzem bem. O Idai veio prejudicar-nos. Por favor, socorro, estamos a morrer de fome", suplica Rabeca Thaimo, 42 anos, agricultora.
"Lançamos a primeira sementeira e nada saiu por causa do lodo e também da lagarta do funil. Mesmo assim não nos cansamos… Lançámos uma segunda sementeira, mas por falta de chuva, o sol escaldante queimou tudo. Não sabemos o que Deus irá fazer”, lamenta.
A poucos quilómetros de Muoco, em Dombe, Genita Jone pede ajuda às autoridades, já que as doações do posto administrativo local destinam-se apenas à população que vive nos reassentamentos. "Há fome nesta região. Tentámos fazer de tudo no mês de junho, mas o pouco que tínhamos conseguido acabou. Agora estamos a morrer de fome. Imploramos ao Governo para que nos apoie”, implora Genita Jone.
Ajuda concentrada nos reassentamentos
Pelo menos 30 crianças já desistiram da escola na região de Dombe por causa da fome. O chefe do posto administrativo, Tomás Razão, confirma que os centros de reassentamento tem assistência alimentar, social e psicológica. "Sobre a fome, não posso confirmar nem desmentir, mas tenho informação de que o Programa Mundial para a Alimentação das Nações Unidas (PMA) e o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) têm feito trabalho de assistência alimentar a todos os centros de reassentamento", explicou o chefe do posto de Dombe.
O porta-voz do INGC em Manica, Cremildo Quembo, diz não ter dados precisos sobre o número de pessoas em situação de fome. Cremildo Quembo refere que a instituição apoiou toda população de Dombe na altura do Idai, mas que agora os apoios estão concentrados nas populações reassentadas.
"Nós não estamos numa fase de assistência global, estamos numa fase de recuperação face aos efeitos do ciclone. Então há vários critérios de assistência", começa por referir Cremildo Quembo.
"Tem a questão da comida pelo trabalho que agora passou a ser denominado comida pela gestão de bem. Mas esforços estão a ser mobilizados para conseguirmos garantir que nesta época chuvosa a situação esteja mais segura possível", acrescentou sem adiantar mais pormenores.