Não há dados claros sobre a pesca do atum em Moçambique
26 de agosto de 2014Na semana passada, a Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM) anunciou a chegada ao país dos primeiros cinco barcos de pesca de atum que foram comprados a uma empresa francesa no ano passado. A compra das 30 embarcações – 24 barcos de pesca e seis barcos patrulha - custaram aos cofres do Estado cerca de 300 milhões de euros.
A empresa estatal conta neste momento com uma equipa de cerca de 50 funcionários, todos moçambicanos, que vão receber formação tanto para operar os barcos como para pescar o atum, revelou à DW África a diretora executiva da EMATUM, Cristina Matavele “Vamos pescar ao longo de toda a costa de Moçambique e na Zona Económica Especial de Moçambique”, adiantou ainda a responsável.
A constituição desta empresa causou muita polémica no país por vários motivos, entre os quais a fraqueza financeira do Estado, que contraiu uma dívida por causa da EMATUM. O facto de um dos acionistas ser o SISE, os serviços secretos de Moçambique, instituição do Estado que depende do Orçamento do Estado, também causou grande consternação. Além disso, a compra não foi claramente discutida no Parlamento.
Quanto atum existe em Moçambique?
Uma vez em funcionamento, importa saber o que o país dispõe em termos de quantidade de atum para fazer face a este novo actor. “Não temos essa informação. Não sabemos quanto atum é que Moçambique tem”, adverte o ambientalista Marcos Pereira, da ONG moçambicana Centro Terra Viva.
Segundo o ambientalista, também não há atum residente em Moçambique. “O stock de atum que ocorre em Moçambique é regional, anda aqui às voltas pela região: Seicheles, Madagáscar, Tanzânia, Quénia. E em Moçambique ainda não conseguimos ter uma avaliação de stock, nem que seja sazonal, para o atum. As informações que existem são de quantidade de atum a nível da região”, explicou à DW África.
Basicamente a frota de atum a operar em Moçambique é estrangeira. Anualmente pesca-se cerca de cinco toneladas de atum, de acordo com dados de 2011. Os principais barcos são da União Europeia (UE) e de alguns países asiáticos.
A EMATUM é a primeira empresa moçambicana que se dedica à pesca industrial do atum. O que se consome internamente resulta da pesca artesanal, também correspondente a perto de cinco toneladas por ano.
Entrada da EMATUM levanta dúvidas
Porém, como os dados são pouco fiáveis, a entrada da EMATUM no mercado levanta muitas dúvidas, alega Marcos Pereira. “Ou quem está por detrás desses investimentos todos pensa de uma forma que não vem a público, portanto não sabemos, ou realmente é um negócio muito mau. De certeza que não temos assim tanto atum que dê para sustentar mais uma empresa”, sublinha.
Para o ambientalista, a ideia talvez seja “substituir a frota estrangeira por uma frota nacional”. Se assim for, explica, “se calhar até há atum suficiente para os 24 barcos [da EMATUM] pescarem em substituição de uma frota que já está licenciada. Neste momento existem cerca de 125 licenças. Agora, se é para adicionar às 125, não acredito que tenhamos grande capacidade para este investimento ser bem sucedido."
A preocupação do ambientalista Marcos Pereira não constitui um problema para a EMATUM. A diretora da empresa diz que já existe uma solução. “Segundo acordos assinados entre governos, quando o atum não estiver aqui em Moçambique vamos prosseguir para onde ele for. E de acordo com o que está estabelecido, vamos poder pescar noutros Estados também”, adiantou Cristina Matavele.
Operacionalização questionada
É num contexto de fragilidades e situações não desejáveis que a EMATUM irá operar. De acordo com o Centro Terra Viva, as capturas de atum não têm de ser reportadas aos portos, o que não facilita o controlo. Portanto, confiar nos dados das empresas pesqueiras é a única alternativa existente.
Questionam-se também as condições para a operacionalização da EMATUM, como por exemplo, a existência de infraestruturas adequadas, sistema de conservação, que não terão sido ainda devidamente desenvolvidas.
Cristina Matavele, porém, garante que tudo isso também foi acautelado. “Nos primeiros meses ou no primeiro ano de atividade vamos terciarizar alguns serviços, porque a EMATUM é uma empresa grande que vem para dinamizar a indústria pesqueira. E em termos de infraestruturas portuárias temos condições para os nossos barcos”, afirma.
Outro ponto negativo na pesca do atum é o baixo preço praticado. As empresas estrangeiras pagam apenas 12 cêntimos de dólar por quilo quando no mercado internacional este custa cerca de 150 dólares. O acordo celebrado com a UE tem a duração de cinco anos e já dura há cerca de três.
Com a entrada da EMATUM no mercado, que preços irá praticar para fazer concorrência aos outros operadores e trazer maiores benefícios para a cadeia produtiva? “Quanto maior for a concorrência, melhor para o consumidor”, responde Cristina Matavele, salientando que a empresa não está preocupada com os concorrentes.
De acordo com a EMATUM, apenas 10% do pescado será vendido internamente. A criação de novos empregos é uma das apostas da empresa, que contratou cerca de 50 colaboradores desde a sua criação há um ano. O objetivo é criar perto de 1500 postos de emprego, incluindo em áreas de processamento.