"O Brasil é racista" diz escritor Paulo Lins
10 de outubro de 2013
O Brasil é o país convidado da 65ª Feira Internacional do Livro que decorre desde quarta-feira (9.10), em Frankfurt, na Alemanha. Trata-se da segunda vez para este país, depois de 1994, e o lema escolhido é “Brasil: um país cheio de vozes”. Mas a lista de 70 autores convidados suscitou, desde logo, críticas. A imprensa alemã apontou a falta de vozes que representem minorias como os afro-brasileiros.
Apesar de concordar com as críticas, o autor Paulo Lins ressalva que "não é a feira que é racista. O Brasil é racista". "A questão é que há poucos negros em posições de destaque no Brasil". Paulo Lins não esconde a sua irritação. O autor sabe do que fala. Ele próprio é a excepção que confirma a regra, o que ficou a dever-se ao enorme sucesso da sua primeira obra a nível nacional e internacional, sobretudo depois do êxito estrondoso do filme baseado nesse livro de nome “Cidade de Deus”.
Negros ainda vivem em "situação ruim"
Agora, Paulo Lins veio para a Europa para apresentar o seu segundo livro “Desde que o Samba é Samba”, já traduzido para vários idiomas, entre os quais o alemão. À primeira vista, esta ficção histórica que relata o nascer da música emblemática no Brasil no início do século XX, parece ser uma reorientação de conteúdos na sua obra literária. Mas as preocupações do autor estão lá. "Até hoje o negro vive numa situação ruim no Brasil", afirma, explicando que, ainda assim, "o livro é para cima, é sobre um ritmo, uma música criada por netos e bisnetos de escravos que conseguiram, através da cultura, integrar-se socialmente".
Aliás, esta nova obra pode mesmo ser vista como aquela que deveria anteceder a Cidade de Deus, o retrato do mundo pobre, marginalizado e violento da favela. Paulo Lins explica que "fazia pouco tempo que tinha acabado a escravidão e o negro ficou marginalizado, porque os portugueses não davam emprego aos negros, dando emprego aos portugueses e europeus que estavam chegando no Brasil". Por isso, afirma o autor "o negro continuou a ser marginalizado e acabou caindo na criminalidade".
As origens do samba e a homofobia
Para escrever Desde que o Samba é Samba, um livro que pretende mostrar a contribuição crucial da cultura afro-brasileira para o país, o autor passou muitos anos a pesquisar toda a literatura académica existente sobre a criação desta música. Nesse contexto, descobriu que o pai do samba, Ismail Silva, era homossexual. Divulgar o facto mereceu-lhe muitas críticas negativas no país. A virulência desta reacção deixou-o estupefacto. "Achei que ia ter apoio, mas o pessoal não gostou. São mais homofóbicos do que eu imaginava", diz. É um dado adquirido que a discriminação de minorias, seja na base de raça, credo, género ou orientação sexual, é prejudicial para qualquer sociedade. Mas porquê então o racismo como tema não assume no cânone literário brasileiro a relevância que tem no dia-a-dia?
"Acho que a maioria dos escritores são brancos", começa por responder Paulo Lins, entre risos. "Não estou muito preocupado com isso. Eu, que sofri isso na pele, que sei o que é o racismo, toco no assunto porque me incomoda muito. Quem sofre mesmo tem de falar, porque uma outra parte não sofre. Uma outra parte é racista".
"Literatura pode salvar o mundo"
Mas nem tudo é negativo. Nos últimos anos, começou um debate público mais sério sobre os problemas da sociedade brasileira, mantém Paulo Lins. Ele próprio continuará a contribuir para esse debate e a crescente consciencialização dos afro-brasileiros. E, embora admita ser utópico, pensa que a literatura pode salvar o mundo, "ela não deixa de ser necessária".
"A literatura ajuda a desenvolver a sociedade. Para quem lê, há um desenvolvimento espiritual muito grande: é o conhecimento, é exercitar o que a gente tem de melhor e que nos diferencia dos outros animais, que é usar o cérebro, a razão, a inteligência".