O Hamas pode ser realmente "eliminado"?
1 de janeiro de 2024O Governo israelita foi claro. O grupo militante Hamas será "eliminado", repetiram vários membros do Executivo, incluindo o primeiro-ministro do país.
Em certos canais de televisão israelitas, aparecem regularmente slogans como "juntos venceremos". Mas será realmente possível eliminar completamente o Hamas e "vencer" numa situação como esta?
A resposta curta, como os especialistas têm dito repetidamente, é não.
Israel tem bombardeado a Faixa de Gaza, onde vivem mais de dois milhões de palestinianos, desde o ataque de 7 de outubro a Israel pelo Hamas, que é classificado como uma organização terrorista pela Alemanha, pela União Europeia, pelos EUA, entre outros estados e organizações. Israel também lançou uma ofensiva terrestre na Faixa de Gaza e está a bloquear o fornecimento de alimentos, água e energia ao enclave.
Apesar disso, a maioria dos analistas afirma que não será possível livrar-se completamente do Hamas, porque este movimento é mais do que apenas uma organização militante.
Hamas como movimento social
O Hamas tem cerca de 20 mil a 30 mil combatentes, disse recentemente à DW Guido Steinberg, especialista em Médio Oriente do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança. Mas, acrescentou, "é também um movimento social com apoios em massa na Faixa de Gaza. E esse é o problema a longo prazo".
O Hamas controla de facto a Faixa de Gaza desde 2007 e faz parte do seu movimento social uma rede de assistência social conhecida como "dawah". Acredita-se que esta rede civil tenha entre 80 mil e 90 mil membros, disse Steinberg.
Dawah significa "chamado" ou "convite" e é historicamente definido como uma forma de chamar ou convidar mais crentes para a fé por meio de divulgação social, explica o Dicionário Oxford do Islão.
Israel "adoraria erradicar o Hamas como instituição, como estrutura política, religiosa e cultural e como estrutura militar", disse Rashid Khalidi, professor de estudos árabes modernos da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, ao jornal espanhol El Pais, em final de outubro. "Não acho que eles possam fazer as duas primeiras coisas", argumentou. Porque, "quer matem todos os seus líderes, quer matem todos os militantes armados, o Hamas permanecerá como uma força política, quer os israelitas ocupem Gaza ou saiam. Portanto, destruir o Hamas como instituição política, destruir o Hamas como ideia, é impossível".
O Hamas não reconhece o estado de Israel. O grupo acredita que a religião deveria ser a base de qualquer governo palestiniano. Mas é provavelmente a sua posição como um movimento de resistência que se opõe à ocupação israelita dos Territórios Palestinianos e da Faixa de Gaza, que o torna mais popular.
No entanto, acrescentou Khalidi, o que os israelitas podem muito bem ser capazes de fazer é degradar as capacidades militares do Hamas, "mas apenas até certo ponto e durante um período limitado".
Destruir o potencial militar do Hamas
Israel tem um dos exércitos mais poderosos do mundo, ocupando o 18º lugar entre 145 nações em 2023 na lista anual de força armada da Global Firepower. Para efeito de comparação, a Alemanha ocupa o 25º lugar. O Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo informa que no ano passado Israel gastou 4,5% do seu rendimento nacional na defesa – isto é mais do que os EUA ou a Alemanha, que gastaram 3,5% e 1,4%, respetivamente.
O enfraquecimento do Hamas pode muito bem ser o melhor que se pode esperar. "Algumas autoridades ocidentais acreditam que a ofensiva israelita até à data, combinada com a melhoria da segurança fronteiriça, garantiu que o Hamas não lançará outro ataque como o de 7 de outubro", escreveram especialistas do think tank International Crisis Group.
"Tal como fez o Hamas após os conflitos com Israel em 2009, 2012, 2014 e 2021, o grupo irá quase certamente rearmar-se e restaurar-se", escreveu Dennis Ross, antigo enviado dos EUA ao Médio Oriente, num artigo de opinião para o New York Times no final de outubro. É por isso que, explicou, era contra um cessar-fogo até que o Hamas fosse removido do poder.
Muito difícil derrotar grupos guerrilheiros
Muito poucas forças armadas nacionais conseguiram derrotar de forma decisiva as organizações de guerrilha no passado.
Exemplos mal sucedidos incluem os esforços dos EUA contra os Taliban no Afeganistão e grupos insurgentes no Iraque. A derrota do grupo rebelde separatista Tigres Tamil pelo governo do Sri Lanka na guerra civil daquele país é frequentemente citada como um caso em que um exército nacional venceu. Mas, como também é frequentemente apontado, essa vitória exigiu 26 anos de guerra, um número de mortos entre 80.000 e 100.000 e potenciais crimes de guerra cometidos por ambos os lados.
De facto, em algumas situações, em que as capacidades de um grupo insurgente foram degradadas, o grupo ressurgiu mais tarde numa forma mais extremista. Um exemplo comum é o brutal grupo do "Estado Islâmico", que evoluiu a partir dos remanescentes da Al Qaeda.
Israel nunca conseguiu derrotar o Hamas de forma conclusiva, apesar de ter assassinado vários dos seus líderes, incluindo dois fundadores do grupo.
Como matar uma ideia?
"Os militares [israelitas] podem fazer o melhor trabalho que podem. Eles poderiam eliminar a liderança. Eles podem destruir instalações de lançamento de mísseis", disse Justin Crump, especialista em terrorismo que dirige a Sibylline Ltd, uma consultora global de inteligência e análise de risco. "Mas eles não eliminarão a ideia do Hamas".
Destruir o Hamas por meios militares não faz sentido, disse Crump à DW, porque "enquanto alguns habitantes de Gaza se voltam contra o Hamas, outras pessoas em Gaza simpatizam com o Hamas. como sempre aconteceu - a menos que haja uma grande mudança no final disso".
"Depois de mais de dois meses de intensas operações israelitas, é evidente que erradicar o Hamas, mesmo como força de combate, será uma tarefa difícil e o esforço para fazê-lo destruirá o que resta de Gaza", referiu um comunicado de dezembro do International Crisis Group.
De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, mais de 18 mil pessoas foram mortas por Israel e mais de 49.500 ficaram feridas em apenas dois meses; estima-se que 61% dos mortos sejam civis, segundo uma análise de Yagil Levy, professor de sociologia da Universidade Aberta de Israel e citada pelo jornal israelita Haaretz. Mais de metade de todos os edifícios de Gaza foram destruídos e 90% da população está deslocada.