Brexit: quais as consequências fora da Europa?
21 de junho de 2016Em campanha a favor da permanência, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, alertou que a saída da Grã-Bretanha da União Europeia (UE) é uma decisão que não tem volta e relembrou os impactos que poderá ter na economia britânica. Já os defensores do Brexit (Britain Exit ou “Saída Britânica”) apontam para um futuro promissor longe do bloco europeu.
Mas estas consequências estendem-se muito para além do Reino Unido – e até da própria Europa. África poderá ser bastante afetada com esta decisão e os africanos já se começam a preparar para lidar com as consequências do referendo.
Uzo Madu, britânica de ascendência nigeriana e autora do blog What's In It for Africa?, relembra a importância do continente africano para o Reino Unido, quando este se juntou à União Europeia, em 1973. “Penso que África foi uma forte motivação para o processo de integração europeia. No contexto do Reino Unido, o fim do império [colonial] e o consequente declínio económico tornaram a entrada no bloco europeu uma experiência praticamente inevitável”, explica Madu.
A blogger relembra também a importância histórica da presença do Reino Unido na UE para as antigas colónias britânicas. “Se olharmos para a forma como a Grã-Bretanha entrou para a UE no início dos anos 70, isso significou que também os países africanos membros da Commonwealth poderiam fazer parte do clube de relações entre a UE e África”, explica Uzo Madu.
O que irá acontecer às relações comerciais?
Atualmente, as relações comerciais entre a União Europeia e África são estipuladas pelo Acordo de Cotonou, assiando em 2000, e por uma série de Acordos de Parceria Económica entre a UE e as Comunidades Económicas Regionais.
No caso de acontecer a Brexit, todos estes acordos iriam sofrer alterações. “A Brexit mudaria fundamentalmente os acordos comerciais entre a Europa e Áfrca. No entanto, o Governo britânico iria proceder de forma pragmática e defender os contratos existentes no âmbito do Acordo de Cotonou”, explica Robert Kappel, especialista em política africana no Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (GIGA), em Hamburgo.
Cooperação para o desenvolvimento: o realinhamento é inevitável
Apesar de se manterem os contratos celebrados ao abrigo do Acordo de Cotonou, a cooperação para o desenvolvimento teria de ser reestruturada. A União Europeia é o principal doador de ajudas para o desenvolvimento em África e o Reino Unido – tendo em conta o seu passado colinial – também contribui com boa parte do valor.
“[Tendo em conta] a posição do Reino Unido na UE, sendo um dos doadores mais consistentes, mas também um dos países que mais contribui para o orçamento da UE para ajudas para o desenvolvimento, [a saída] teria um impacto substancial não só no montante que é dado em ajudas para o desenvolvimento para a região da África Subsariana, mas também na forma como é gasta e na sua eficácia”, diz Uzo Madu.
Robert Kappel relembra ainda que a perícia britânica já não estaria disponível para resolver questões que a União Europeia possa ter em relação à cooperação para o desenvolvimento.
Políticas de agricultura europeias à custa de agricultores africanos?
Outro problema controverso é a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia. Durante vários anos, os críticos queixaram-se que os subsídios para os produtores europeus estavam a levar os agricultores africanos à ruina, uma vez que eles não conseguem competir com os preços artificialmente baixos dos produtores europeus.
A Grã-Bretanha é um dos principais opositores da PAC. “Se queremos pensar de que modo é que a PAC pode ser melhor, ela só melhorará com o Reino Unido na União Europeia”, defende Madu.
E será que, caso a Brexit se concretize, o país irá aumentar o seu envolvimento militar com a Grã-Bretanha? “Poderia imaginar que o Reino Unido, com base em cooperações bilaterais com a Nigéria, Quénia e Gana, por exemplo, estaria predisposto a agir mais rapidamente e de forma pragmática em situações de crise e conflito do que no contexto da União Europeia”, responde Kappel.
No entanto, o especialista acredita que “eles não vão seguir o exemplo de França e estabelecer bases militares em todo o continente africano. O fardo financeiro iria impedir tal compromisso”.
Grã-Bretanha como modelo a seguir em questões de independência
A Brexit tem estado a ser bastante discutida também em África. Na página de Facebook da DW - Hausa, Anwar Muhammad, da Nigéria, comenta que “quando um país tão forte como o Reino Unido abandona a União Europeia, ela não estará disponível para continuar”.
Muharami Salim vê a Brexit como uma oportunidade para África. Na página de Facebook da DW (Kishuali), escreve que “talvez isto dê uma boa oportunidade para que nós, africanos, pensemos como é que nós, também, podemos ser mais independentes”.
A discussão sobre a saída do Reino Unido da União Europeia também divide europeus, com 30 a 40% dos franceses a considerarem que esta seria uma decisão positiva, enquanto Suécia, Holanda e Alemanha encaram este cenário como negativo.
A única coisa que é clara é que os impactos de uma eventual saída do Reino Unido da União Europeia se estendem muito além das fronteiras da Europa e trarão mudanças significativas para o continente africano. Ainda assim, tal como muito do que se fala neste debate, todos os prognósticos para o futuro são, acima de tudo, especulativos.