UE reticente em intervir em crises africanas
4 de novembro de 2020Alassane Ouattara nem devia ter concorrido às eleições presidenciais na Costa do Marfim no passado dia 31 de outubro. Só um truque legal lhe permitiu ganhar um terceiro mandato num escrutínio boicotado pela oposição. Mas a crise naquele país está longe de terminada. A oposição não reconhece os resultados. Já durante a campanha eleitoral ocorreram protestos violentos que resultaram em mortos e feridos.
A União Europeia (UE) reagiu com enorme cautela. O comissário dos Negócios Estrangeiros Joseph Borrel disse, numa declaração, que a união "registou" os resultados. "A UE espera que todas as partes ajudem a acalmar a situação e retomem o diálogo [...] e promovam a reconciliação através de medidas concretas", concluiu.
Apelos em vez de ação
A situação é parecida na Guiné-Conacri, onde o Presidente Alpha Condé, de 83 anos de idade, alterou a Constituição para poder voltar a candidatar-se em eleições que acabou por ganhar. O país também foi palco de protestos violentos e acusações de fraude eleitoral. Mas a UE limitou-se a uma breve admoestação: há questionamentos da credibilidade do voto, disse Bruxelas com reticência diplomática.
Na Nigéria, nas últimas semanas, multiplicaram-se os protestos em massa, especialmente dos jovens, contra a corrupção na administração, a violência policial e a opressão. A polícia reagiu com enorme violência em intervenções nas quais morreram, até agora, pelo menos 12 manifestantes. Sobre o ocorrido a UE mantém o silêncio.
Bruxelas aposta em soluções regionais
Muitas pessoas nos países afetados por crises estão insatisfeitas com a passividade da comunidade internacional. "Esta aparente indiferença explica-se pelo facto de a comunidade internacional não querer ultrapassar uma linha vermelha de ingerência", disse à DW Ramadan Diallo, politólogo da Universidade de Sonfonia-Conakry na Guiné. E conclui: "De agora em diante teremos de apostar mais em recursos internos para resolver os problemas. Tendo em conta a sua atitude, não devemos esperar grande coisa desta comunidade internacional".
O africanista alemão Robert Kappel discorda. Claro que a UE interfere nas crises africanas, afirma, apontando, como exemplo, a missão de formação das forças de segurança locais no Mali, África Ocidental. A UE também apoia a G5, uma força militar regional criada por vários países do Sahel para combater o extremismo islamista.
Segundo Kappel, a razão simples para a reticência pública de Bruxelas nas eleições na Costa do Marfim é simples: "A UE aposta nas instituições regionais como a CEDEAO [Comunidade Económiica dos Estados da África Ocidental] para mediar uma solução", disse o analista à DW.
A CEDEAO interveio com sucesso em várias crises políticas na região, como na Gâmbia, em 2017, e no Mali, em 2013. A intervenção da UE, por outro lado, nem sempre é bem recebida pelos governos africanos, realça Kappel. Assim, vários governos rejeitam o Tribunal Penal Internacional como um instrumento de influência ocidental. É por esta razão que a UE está mais relutante em intervir publicamente nos conflitos.
Declaração conjunta e observadores eleitorais
O caso muda de figura nos bastidores, diz Thilo Schöne, representante da Fundalção Friedrich-Ebert na Costa do Marfim, próxima do partido social-democrata SPD, na coligação governamental em Berlim: "Nas últimas semanas e meses, a UE tem sido um dos principais atores nas mediações entre o Governo e a oposição", disse Schöne à DW, acrescentando que embaixadores de vários Estados-membros da UE têm intervido nesse sentido junto do Executivo de Abidjan.
Numa iniciativa rara no âmbito da política externa comum, a Comissão da UE e todos os Estados-membros publicaram uma declaração de política externa sobre a situação, diz Schöne. Além disso, a UE enviou observadores eleitorais à Costa do Marfim. Mas, devido à pandemia da Covid-19, a missão foi significativamente reduzida.
Segundo Schöne, a UE está a financiar extensos relatórios sobre as eleições e a manutenção da paz. Para este especialista, é bom que a união não interfira nos conflitos internos, evitando dar a impressão de que está a tomar partido como potência ocidental.
Viragem na política europeia
A política europeia parece estar perto de uma viragem. Em março, a Comissão de Bruxelas apresentou uma nova estratégia para África que sublinha a importância da paz e da segurança no continente vizinho. Robert Kappel diz que urge uma parceria europeia-africana em pé de igualdade. O que também significa que os governos africanos devem assumir maior responsabilidade pelas suas próprias ações, diz o especialista.
"A UE cada vez dá mais ênfase ao apoio concedido à sociedade civil e militar e a despedir-se da intervenção militar". Há um reconhecimento de que as operações militares nos últimos anos não foram bem sucedidas. A nova abordagem da UE era portanto urgentemente necessária."Para estabelecer a paz e assegurar a democracia, há que promover as faculdades dos países de resolverem os seus próprios problemas", conclui Kappel.