Ofício a pedir detenção de Manuel Chang foi feito à pressa?
30 de janeiro de 2019Será que o ofício do Tribunal Supremo de Moçambique foi feito à pressa? O tribunal parece ter-se esquecido de pedir o levantamento da imunidade do deputado Manuel Chang, ao solicitar, na semana passada, a sua prisão preventiva.
A Comissão Permanente do Parlamento autorizou, na terça-feira (29.01), a detenção de Chang, como pediu o Supremo. Mas, na realidade, o deputado ainda não pode ser detido em Moçambique, porque continua a desfrutar de imunidade.
Para se votar o levantamento da imunidade, é preciso convocar uma sessão plenária. E não foi isso que o Supremo pediu: "O Tribunal Supremo pediu apenas que fosse autorizada a prisão preventiva de um deputado e o Parlamento não pode extravasar esse pedido", comenta o advogado Rodrigo Rocha em entrevista à DW.
"Erro crasso"
Mas esta não foi a única questão polémica no pedido do Tribunal Supremo para a prisão preventiva de Manuel Chang.
Além de não se pedir o levantamento da imunidade de Chang, há também erros no ofício do tribunal. A própria 1a. Comissão do Parlamento, citada pelo jornal "A Verdade", diz que constatou várias falhas no documento, incluindo o facto de não se mencionar "as datas em que os supostos crimes de que é acusado o deputado foram cometidos" ou de se referir leis já revogadas.
"Não é essa a postura que se espera de um Tribunal Supremo, que deverá ser a última instância na resolução de qualquer litígio", diz Rocha.
"É um erro crasso, que não tem desculpa, e tem de se tirar ilações da forma como está a funcionar o Supremo, para que situações desta natureza não possam voltar a acontecer."
Chang volta a tribunal esta quinta-feira
Será que foi a pressa em publicar o ofício que causou os erros?
Para esta quinta-feira (31.01), está marcada uma nova audiência de Manuel Chang no tribunal de Kempton Park, em Joanesburgo. Chang deverá ficar a saber se aguarda, ou não, em liberdade condicional a decisão da sua transferência para Maputo ou da extradição para os Estados Unidos da América (EUA).
O jornalista moçambicano Adérito Caldeira refere que a Justiça moçambicana pode ter pedido apenas a prisão preventiva de Chang para poupar tempo e mostrar já à Justiça sul-africana que há um processo em Moçambique contra o deputado: "O entendimento que eu tive de se não haver feito o pedido de levantamento de imunidade é que é um processo que leva tempo, implica marcar uma sessão plenária".
Segundo Caldeira, isso poderia demorar "na melhor das hipóteses, pelo menos uma semana."
Para poupar tempo, o Tribunal Supremo pode até ter pedido uma coisa que nem é da competência da Comissão Permanente da Assembleia: avaliar um pedido de prisão preventiva de um deputado, diz o jornalista.
Esforços "infrutíferos"
Mas porquê a pressa? Adérito Caldeira nota que "são evidentes os esforços do partido FRELIMO [Frente de Libertação de Moçambique] de tentar evitar a extradição" de Manuel Chang para os EUA, apesar de o partido no poder "dizer que está a cooperar e que deixa as instituições da Justiça trabalhar."
Porém, os esforços têm-se revelado infrutíferos, comenta Caldeira. Moçambique não conseguiu, até agora, mostrar à África do Sul que pode deter Chang. E das duas uma: "ou os esforços estão a ser feitos de uma forma reativa, muito atabalhoadamente, e estão a ser cometidos estes erros, ou então se calhar não há grandes esforços, é só para dar a ideia de que o partido não larga os seus, mas na realidade continua a largá-los."
Há ainda muitas questões em aberto, conclui o jornalista. Esta é uma "novela" com episódios surpreendentes todos os dias. "É uma novela, daquelas interessantes, em que nem conseguimos adivinhar o final…" E, como sublinha o advogado Rodrigo Rocha, não obstante o que se passa em Moçambique, ainda não se sabe o que dirá esta quinta-feira o tribunal de Kempton Park em relação ao caso Manuel Chang.
"Inclusivamente se houvesse um levantamento da imunidade parlamentar de deputado [em Moçambique], de forma nenhuma essa decisão poderia ou pode ser usada para interferir no processo" na África do Sul, afirma Rocha. "São coisas totalmente independentes".