ONG critica silêncio nas investigações a Isabel dos Santos
10 de fevereiro de 2022Dois anos após as denúncias feitas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) do escândalo "Luanda Leaks”, pouco se sabe sobre as investigações em curso em Portugal a propósito das transações suspeitas com origem em Angola e Isabel dos Santos, então considerada a mulher mais rica de África.
Karina Carvalho, diretora executiva da ONG Transparência e Integridade (Portugal), diz, em declarações à DW, que "não há informação consistente” sobre o andamento dos processos judiciais.
"Para nós, isso é um problema porque se parte do pressuposto que os processos de recuperação de ativos nada têm que ver com as pessoas. Portanto, que a população e as organizações não têm que estar informadas. Nunca tivemos resposta às cartas que enviámos ao Banco de Portugal a propósito das auditorias ao EuroBic", lamenta.
O banco EuroBic tinha Isabel dos Santos como um dos principais acionistas.
"A montanha vai parir um rato"?
A organização não-governamental, que acaba de lançar uma nova campanha sobre a recuperação de ativos, também solicitou informação à Bolsa de Valores de Lisboa (CMVM) sobre as auditorias envolvendo o referido banco, mas, de igual modo, nunca obteve resposta.
"É uma pena que, ao fim de dois anos desde que eclodiu o escândalo 'Luanda Leaks', as pessoas até quase que esquecem aquilo que se passou, esquecem aquilo que está em causa. Depois, não se avalia o impacto que estes esquemas obscuros, estes negócios-fantasma, têm também em Portugal", critica Karina Carvalho.
A responsável defende que "era importante que se soubesse mais [sobre tais processos na Justiça portuguesa], porque ficamos todos com a sensação que, ao fim de dois anos, a montanha vai parir um rato".
PGR confirma investigações
De acordo com a Justiça portuguesa, estão em causa os crimes de corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal e falsificação de documentos, entre outros.
É por isso que Karina Carvalho defende que os processos deviam ser do domínio público, apesar da sua complexidade e das limitações do segredo de justiça . "Pelo menos, [deveria ser divulgada] informação sobre que processos é que correm, em que fase é que eles se encontram, de que modo é que está a ser feita a articulação com as autoridades judiciárias angolanas".
"Quanto mais não seja", isso serviria para "criar nos cidadãos confiança", refere a diretora executiva da Transparência e Integridade.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou à DW "a existência de investigações, em inquérito".
Porém, informa que "tais investigações decorrem sujeitas a segredo de justiça (interno e externo), em Portugal". Por outro lado, sublinha que "o valor de 13 mil milhões de dólares, relativo à recuperação de ativos" - que foi anunciado no final do ano passado pelo Estado angolano - "diz respeito apenas à atividade processual do Ministério Público - Procuradoria-Geral da República de Angola", pelo que não comenta.
Solicitámos esclarecimentos junto do Gabinete de Recuperação de Ativos do Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais, mas até então não obtivemos qualquer resposta.
"Silêncio em Angola é mais estranho que o silêncio português"
O silêncio não surpreende o professor de Direito Rui Verde.
"O facto de não haver novidades sobre os processos de Isabel dos Santos apenas reflete a normalidade dos processos complexos em Portugal. São lentos, são uma espécie de submarinos que andam debaixo do mar; de vez em quando emergem com grande barulho e depois voltam a um grande silêncio", critica.
Para o jurista, "o significado do silêncio em Angola é mais estranho do que o silêncio português. Por alguma razão, a PGR angolana não quer avançar muito com o processo em relação a Isabel dos Santos. Se repararmos, a parte criminal do processo nem sequer avançou."
"Isto quer dizer que deve haver uma espécie de tréguas judiciais, talvez até às eleições ou talvez à espera de algum fenómeno que desconhecemos, mas tem um significado. Isto ainda é uma interrogação".
Por seu lado, Karina Carvalho, da Transparência e Integridade, reconhece que as operações para a recuperação de capitais ilícitos são longas e demoradas, mas avisa que "é tempo das autoridades portuguesas e angolanas fazerem um ponto de situação sobre aquilo que se está a passar relativamente aos processos envolvendo a empresária Isabel dos Santos".