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Opinião: Resultados forçam MPLA a "ouvir" o alerta das urnas

Marcio Pessôa
26 de agosto de 2022

Oposição sai fortalecida de pleito controverso, mas possível composição do Parlamento ainda traz conforto ao Governo. Contestação crescente e afirmação de adversários de peso indicam aumento de pressão sobre Lourenço.

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Congresso do MPLA, dezembro de 2021
Foto: Borralho Ndomba/DW

As eleições gerais em Angola impõem lições ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Se o partido que está há quase cinco décadas no poder não democratizar a governação nem entregar reformas sociais e económicas concretas, a pressão popular, que já é grande contra João Lourenço, deverá aumentar.

Os dirigentes do partido no poder não querem enxergar isto, mas há necessidade de reformas internas urgentes no MPLA. Os números da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e o povo nas ruas sinalizam isto.

Marcio Pessôa, chefe da redação Português para África da DW
Marcio Pessôa, chefe da redação Português para África da DWFoto: Marina Olivetto/DW

O número de deputados do Governo na Assembleia Nacional caiu de 150 para 124. Lourenço dominará confortavelmente o Parlamento, mas sem garantias de formar maioria para eventuais mudanças constitucionais.

Por outro lado, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) subiu de 51 para 90 deputados na Assembleia Nacional, um recorde. A maior bancada já formada pela UNITA tinha 71 deputados, em 1992.

A derrota do partido do Governo em Luanda é histórica. A UNITA obteve mais de 60% dos votos no maior círculo eleitoral do país. O MPLA perdeu apoio em seus redutos eleitorais, onde a UNITA cresceu significativamente como no Kwanza Norte e Malanje. O partido do Governo também teve derrotas simbólicas nas províncias de Cabinda e Zaire.

Estes são dados que indicam que as eleições gerais de 2022 impuseram ao MPLA as maiores perdas eleitorais em três décadas de pleitos. Tão logo a CNE começou a divulgar os resultados parciais das eleições, alguns distúrbios foram registados na capital Luanda. 

Há motivos para a revolta nas ruas?

A elite política e económica angolana foi forjada capturando o Estado para o seu benefício. Famílias de políticos e generais-empresários enriqueceram após a independência baseada na promessa de socialismo feita por um grupo político que, ao longo dos anos, aprendeu a surfar nas ondas do capitalismo mais desigual.

Líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior
Adalberto Costa Júnior desafiou João Lourenço para debates durante a campanha, o líder do MPLA rejeitouFoto: Lee Bogota/REUTERS

O MPLA gerou um regime semelhante ao que é descrito como um "autoritarismo competitivo". Ou seja, partidos no poder há décadas montam um campo de disputa política enviesado, a favor dos incumbentes. Das instituições de justiça, passando pela média e pelas chances empreendedoras, tudo é controlado num contexto em que nada é de facto público, nem mesmo o Estado.

A CNE é vista como uma peça que faz parte desta assimetria, ainda mais quando o partido no Governo interfere nas nomeações das pessoas que vão coordená-la. Num cenário como este, todas as eleições serão contestadas, porque as instituições perdem a sua credibilidade. Foi assim em 1992, 2008, 2012 e 2017, e assim deverá ser em 2022.

Desde 2008, o MPLA vem perdendo cerca de 10 pontos percentuais a cada eleição. Em 2022, aparentemente chegou ao seu limite, 51% dos votos. Se até às próximas eleições o MPLA não ouvir as mensagens das ruas e não promover as mudanças reais e urgentes que são reinvidicadas pela população, pode ser que não continue no poder. 

Segundo a CNE, Adalberto Costa Júnior foi derrotado, mas a campanha e as eleições deixaram claro que a UNITA tem um líder carismático e afirmado, capaz de atrair votos e provocar um debate desconfortável a João Lourenço.

Cerimónias em homenagem a José Eduardo dos Santos, em Luanda
Cerimónias em homenagem a José Eduardo dos SantosFoto: Borralho Ndomba/DW

O papel dos mortos

Costa Júnior aborda questões que interessam, tem o apoio de uma massa de trabalhadores jovens e de intelectuais de expressão. O líder oposicionista não apresenta soluções criativas, mas está disposto a discutir as altas taxas de desemprego, a inflação galopante, o elevado custo de vida, a pobreza aguda e a crise humanitária.

Em plena campanha, a disputa pelos restos mortais do histórico líder do MPLA, José Eduardo dos Santos, trouxe à tona outro ingrediente relevante para as disputas políticas do país nos próximos anos. Pelas redes sociais, declarações da família dos Santos deixam claro que os filhos do antigo líder formarão uma oposição poderosa a Lourenço, com pesos político e económico incontestáveis.

As cerimónias fúnebres do ex-Presidente ocorrem até domingo (28.08) sob o controle do MPLA. Aliás, a "participação" de cidadãos falecidos é um tema que tirou a tranquilidade deste pleito. A UNITA contabilizou que, entre os 14 milhões de angolanos nos cadernos eleitorais, haveria mais de 2 milhões de nomes de mortos que não foram apagados das listas.

Os "mortos votantes", as restrições de credenciamento de observadores nacionais e o facto de eleitores serem obrigados a votar em locais distantes de suas residências agudizaram as contestações às autoridades eleitorais agora e deverão reverberar por mais alguns anos.

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