Pós-eleições: CIP antecipa nova crise política em Moçambique
28 de outubro de 2019Num comunicado publicado esta segunda-feira (28.10), um conjunto de organizações da sociedade civil moçambicana conclui que as eleições do passado dia 15 de outubro em Moçambique "não foram livres, justas, nem transparentes, porque o partido no poder capturou e assaltou a máquina eleitoral".
O comunicado das organizações, divulgado um dia após a publicação dos resultados oficiais das eleições por parte da Comissão Nacional de Eleições (CNE), e que dão a vitória a Filipe Nyusi com 73% dos votos, foi subscrito pelo Centro de Integridade Pública (CIP), o Centro Desenvolvimento da Democracia (CDD), o Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), o Fórum Nacional das Rádios Comunitárias (FORCOM), o Observatório do Meio Rural (OMR), o Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil (MASC), a WLSA Moçambique e a plataforma de observação eleitoral VOTAR Moçambique.
Em entrevista à DW África acerca das conclusões deste comunicado, Edson Cortez, diretor do Centro de Integridade Pública (CIP), volta a criticar a parcialidade dos órgãos de gestão eleitoral moçambicanos e reafirma que "as evidências" de fraude eleitoral neste processo "são gravíssimas".
Edson Cortez não tem dúvidas de que o Conselho Constitucional irá validar os resultados da votação do passado dia 15 de outubro, o que abrirá caminho a mais uma "crise política" no país, que coloca em cheque o processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) já assinado. "A RENAMO vai dizer que não toma posse, o MDM também, e voltamos à triste cartilha pós-eleitoral de sempre em Moçambique", lamenta.
DW África: Um conjunto de várias organizações da sociedade civil, no qual se integra também o CIP, considerou que estas foram as eleições mais fraudulentas de sempre em Moçambique. O que é que agravou neste escrutínio face aos anteriores?
Edson Cortez (EC): Primeiro, no processo de recenseamento, tivemos os 300 mil eleitores [na província de Gaza] que, no dia da votação, não foram vistos pelos observadores nas urnas. Tivemos várias situações de enchimento de urnas que foram reportadas pelos observadores das diversas organizações. E a CNE criou sempre dificuldades para o processo de observação, não dando credenciais a tempo e horas aos observadores.
DW África: Mas existem provas que autentiquem estes ilícitos de modo a que a oposição possa pedir a repetição ou a anulação do pleito junto do Tribunal?
EC: Só estamos a falar de ilícitos eleitorais que foram identificados, em que pessoas foram apanhadas em flagrante. Imagine quantos mais não houve... e há vários relatos e testemunhos, e até que circulam nas redes sociais, de pessoas que contam como foi o processo de fraude.
DW África: Uma melhor preparação e organização por parte da oposição poderia ter evitado a viciação?
EC: A forma como está montada toda a estrutura ou a engenharia das instituições que fazem a gestão do processo eleitoral dá azo à fraude. Nenhum ator em Moçambique com dois palmos de testa acredita nas instituições que gerem as eleições. E, ciclicamente, temos o mesmo poblema. Não é possível que um país que se quer adulto e que quer crescer tenha, de eleição em eleição, os mesmos discursos. O problema é que temos uma CNE-STAE que não credencia os delegados e membros dos partidos da oposição [e] que, de forma contínua, constata situações de enchimento de urnas sempre para o mesmo candidato e partido, que é o partido no poder. Então é difícil aferir com certeza qual é a margem de popularidade do partido no poder.
Com a partidarização do Estado a que assistimos, vamos ter ciclos de tensão político-militar e ciclos de crise política pós-eleitoral, porque a forma como está organizada a CNE e o STAE não permite, de forma alguma, que as eleições sejam livres, transparentes e justas, porque são instituições capturadas pelo partido no poder. As evidências que temos sobre este processo eleitoral são gravíssimas.
DW África: As missões de observação eleitoral internacionais, ainda que tenham frisado os episódios de violência que marcaram a campanha eleitoral, acabaram por considerar que as eleições "decorreram de forma ordeira e pacífica". A avaliação que fazem deste balanço é crítica?
EC: É bastante, mas isso já é o pão nosso de cada dia da observação internacional: vir, passar por algumas mesas, e escrever um report mais preocupado com a diplomacia do que com a verdade. Eu não sei se, nos países ocidentais, com uma disparidade de 300 mil eleitores, a eleição se realizaria antes de um esclarecimento. Não sei se o enchimento de urnas nos países ocidentais é algo que é aceitável numa eleição... Mas se, para a observação eleitoral, este tipo de eleições não é aceitável nos seus países, não podem querer impingir que em Moçambique seja. Para isso, para quê fazer eleições? Ficamos com um único partido e não gastamos dinheiro. Esse dinheiro é muito importante para outras coisas em Moçambique.
DW África: O que se deveria seguir agora? As organizações da sociedade civil defendem que é preciso "repensar o sistema eleitoral". Acha que será possível, como defendem, a constituição de uma Comissão Nacional de Eleições independente?
EC: Agora, o Conselho Constitucional vai validar ou não os resultados - mas, e uma vez que a forma como está montado é uma fotografia da forma como está montada a CNE, vai validar. Depois disso vamos entrar numa crise política. A RENAMO vai dizer que não toma posse, o MDM também, e voltamos à triste cartilha pós-eleitoral de sempre em Moçambique. E o DDR [processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração] que foi assinado não vai funcionar, e vamos começar tudo do zero.
DW África: Mas, na sua opinião, é legítimo que os partidos a oposição não aceitem os resultados?
EC: Há determinados ilícitos eleitorais que já vinham do processo de recenseamento e eles não reclamaram. Eles [a oposição] também devem ser responsabilizados porque aceitaram as regras do jogo. E estas regras não são benéficas para ninguém. A questão da partidarização da CNE, que é proporcional à maioria, ou seja, ao partido com maioria, não funciona. A CNE deve ser neutra e independente. Não é possivel que os moçambcianos não se consigam sentar e pensar num modelo de gestão eleitoral que seja consensual. Nós já não somos nenhuns aprendizes nesta matéria de eleições. Já vamos na sexta eleição.