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Pandemia é chance para reformar a economia de Angola

10 de setembro de 2020

A crise económica em Angola não é fruto da pandemia atual. Mas a Covid-19 veio complicar uma situação já difícil. Economistas propõem que Angola aproveite o momento para renegociar o pagamento da dívida externa.

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Angola Coronavirus Krankenpfleger in Kwanza Norte
Foto: DW/A. Domingos

Em Angola, o surto da pandemia do coronavírus está a agravar o nível de vida de camadas da população com baixos rendimentos, empurradas para os limites da sobrevivência. Segundo Jonuel Gonçalves, apesar das débeis condições sanitárias, África tem felizmente escapado aos grandes volumes de infeção registados nos outros continentes. "Se fosse de outra maneira", acrescenta o economista angolano em alusão ao caso de Angola, "as infraestruturas de saúde não aguentariam o impacto da doença".  Gonçalves defende que durante cinco anos, se Angola não pagar juros, 50 por cento do orçamento pode ser aplicado na  diversificação económica, através de parcerias público-privadas.  

Em declarações à DW África, o académico considera fundamental a gestão da dívida angolana, necessária para fomentar o investimento em infraestruturas e na diversificação da economia. "O que me parece que continua a fragilizar a economia de Angola é o facto de que metade do Orçamento Geral do Estado é para pagar dívida. Enquanto estivermos assim, é metade da capacidade de investimento que nós temos", nota Gonçalves.   

Em segundo lugar, prossegue o académico angolano, Angola continua a gastar mais de um bilião de dólares na compra de produtos que pode produzir a nível nacional. "Está aí um caminho para a diversificação", remata.   

Jonuel Gonçalves
Jonuel Gonçalves é autor do livro “Do Capitão Gonçalves Zarco ao Capitão Jair Bolsonaro”Foto: DW/J. Carlos

A crise económica não é de hoje  

Com a COVID-19, vários setores da vida nacional paralisaram. Mas a economia angolana já estava em queda desde 2014, lembra Gonçalves. O problema "é gerir uma economia em recessão", o que exige "níveis de competência e capacidade de negociação internacional muito grande", explica.   

Segundo o economista, Angola deve adotar medidas macroeconómicas para corrigir e dar força à sua moeda, que tem vindo a depreciar-se diariamente. "Daqui a pouco, vamos estar como estivemos nos anos 80 e 90, em que um dólar equivalia a um milhão de Kwanzas. Teve que se mudar o Kwanza para cortar zeros. Já estamos com a inflação a dois dígitos. Estou muito preocupado com esse lado".  

A campanha contra a corrupção é também fundamental, sublinha o economista. "Ela determina todo o novo estilo de regime", considera, reconhecendo que o esforço para o retorno do capital angolano desviado para o exterior do país não tem sido bem-sucedido.  

Auditoria Internacional  

Jonuel Gonçalves sugere uma grande auditoria internacional para se verificar a legalidade ou a ilegalidade das operações de transferência de dinheiro do Estado angolano para fora do sistema bancário de Angola.   

No seu livro “Do Capitão Gonçalves Zarco ao Capitão Jair Bolsonaro”, o académico faz uma análise das grandes economias do Atlântico Sul, incluindo a evolução de Angola desde 1990 e começo do século XXI, que qualifica de "um período de crise mascarado por um momento em que o preço do petróleo esteve elevado". Nessa altura, refere, "a única coisa que se fez foi investir em determinadas obras de infraestrutura, que depois não foram mantidas".  

Aquele período serviu sobretudo para o enriquecimento de uma pequena camada da população que acumulou um grande volume de capital. "Esse grande volume de capital ficou a faltar para investimento em Angola. Portanto, o problema que nós temos hoje é que não houve investimento que devia ter sido aproveitado nessa altura. Não houve investimento na diversificação da economia de Angola. Uma economia que depende de uma matéria prima e que vai estar sempre em crise. Que vai sempre depender do exterior", afirma Gonçalves.   

Eugenio Costa Almeida
Eugénio Costa Almeida, investigador do Centro de Estudos Internacional do ISCTE/IUL – Instituto Universitário de LisboaFoto: DW/J. Carlos

O que mudou com o novo Presidente 

O segundo aspeto,  acrescenta , é a viragem política, "porque muita gente pensava que João Lourenço iria ser o continuador de José Eduardo dos Santos". Em termos políticos, Jonuel Gonçalves faz notar como uma das diferenças um dado importante relativamente ao aumento da liberdade de expressão, sobre o qual espera não haver recuos.  

Eugénio Costa Almeida, investigador do Centro de Estudos Internacional do ISCTE/IUL, realça que Angola continua dependente sobretudo do petróleo, cujo preço sofreu um forte impacto negativo no mercado internacional. Por outro lado, o fecho de fronteiras aéreas e a redução do rating do país pela Moody’s, agência de notação financeira, fazem temer uma quebra acentuada da economia angolana. 

"Nós, nem daqui a cinco anos, vamos ter capacidade de chegar ao nível que tínhamos antes da pandemia. Porque, além do problema da economia, há os problemas sociais [graves] que o COVID está a criar, que poderão ter ainda maior impacto no problema que a economia está a ter neste momento", diz Costa Almeida. 

Para o analista angolano, uma das propostas que poderá ajudar a alavancar um pouco mais a economia é, além da redução das importações, o incentivo à produção nacional, a infraestruturação e a industrialização do país.

Próximos passos

Os desafios são enormes,  reconhece o professor António Alberto Neto, líder do Partido Democrático Angolano (PDA), ilegalizado em 2013. Alberto Neto também considera o combate à corrupção premente. 
"Há a necessidade de criar a Alta Autoridade contra a Corrupção. Há a necessidade de criar as condições constitucionais para que o combate contra a corrupção seja efetivo". 

António Alberto Neto
António Alberto Neto líder do Partido Democrático Angolano (PDA)Foto: DW/J. Carlos

A pensar no futuro, é desejo do terceiro candidato mais votado nas presidenciais de 1992 que se criem condições necessárias “para que Angola volte a ser um grande país”. Falando do presente, o antigo combatente admite que a miséria se acentuou mais com a pandemia da COVID-19.

"Infelizmente, o coronavírus veio ainda a multiplicar mais as dificuldades que nós temos para podermos ser um país que possa marcar posições de relevo na reconquista da soberania pan-africana. Quer seja com José Eduardo dos Santos quer seja com João Lourenço, há necessidade de saber bem para onde é que nós vamos. E a minha pergunta, para terminar, é: quo vadis, Angola?"


 
 
 

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