Paul Fauvet: "Samora estaria satisfeito com os progressos?"
18 de outubro de 2016Assinalam-se esta quarta-feira (19.10) 30 anos da morte do ex-chefe de Estado moçambicano Samora Machel. Nascido a 29 de setembro de 1933, em Chilembene, na província de Gaza, sul de Moçambique, Samora Machel morreu a 19 de outubro de 1986, quando o avião presidencial em que seguia, um Tupolev de fabrico russo, se despenhou na localidade sul-africana de Mbuzini.
As autoridades moçambicanas mantêm até hoje a versão de que o avião foi derrubado intencionalmente pela África do Sul. O jornalista inglês, Paul Fauvet, editor do serviço inglês da Agência de Informação de Moçambique (AIM) vive e trabalha há mais de 35 anos em Moçambique, teve a oportunidade de conhecer pessoalmente Samora Machel.
Em entrevista à DW África, Fauvet fala sobre a figura política que Moçambique perdeu e sobre as investigações do acidente de avião que tirou a vida ao chefe de Estado moçambicano.
DW África: No seu ponto de vista, que legado deixa Samora Machel?
Paul Fauvet (PF): O primeiro legado é a própria a independência de Moçambique. O Samora era dirigente da FRELIMO e dirigente do movimento de libertação durante os últimos anos da guerra de independência.
Devido ao Samora e à sua direção é que o país ganhou a sua independência e avançou na construção do socialismo. O Samora queria a construção do socialismo. Isso era o objetivo da FRELIMO nos primeiros anos de independência. Isso não aconteceu e não aconteceu porque havia a guerra de desestabilização contra Moçambique feita pelo regime do Apartheid.
DW África: Samora Machel terá também cometido erros? Terá havido casos de atrocidades também cometidos pelo regime?
PF: Naturalmente que houve erros. É certo que as suas ideias na área da agricultura eram contraproducentes. É certo que havia um excesso de centralização, havia um excesso de burocracia, mas por outro lado eu acho que havia uma tentativa de criar uma sociedade mais justa. O que Samora queria fazer era produzir uma sociedade que libertasse as pessoas que estavam numa situação de repressão, aquelas que sofreram durante o regime colonial.
DW África: Se Samora Machel ressuscitasse e voltasse à Terra, o que ele pensaria do Estado moçambicano, sobre o atual Governo da FRELIMO?
PF: Isso é impossível responder. Não podemos dizer. Talvez Samora não gostasse disso, talvez ele mandasse todos os comandantes para a cadeia. É impossível dizer isso. Mas houve uma resposta a isto, acho que foi dado ontem. Na cerimónia em Mbuzini, na África do Sul, o vice-presidente da África do Sul Cyril Ramaphosa disse: ‘Vinte anos depois da tragédia temos de perguntar se Samora Machel estaria satisfeito com os progressos que já fizemos em desenvolver o país em direção à unidade e prosperidade. E temos que perguntar se nós podemos conseguir a tarefa de criar medidas de inclusão. O Samora estaria satisfeito?'. Estas foram as perguntas feitas por Ramaphosa ontem. São perguntas relevantes, evidentemente.
DW África: Falando da morte de Samora Machel, que aconteceu precisamente há 30 anos, as causas estão apuradas a 100% ou há ainda dúvidas sobre as causas da sua morte?
PF: Ainda não há conclusões definitivas. E porquê? Porque os moçambicanos queriam continuar a investigação, mas os sul-africanos recusaram-se. Eles estavam a apurar em território sul-africano, e sem a cooperação do regime do Apartheid era difícil continuar investigações. Ainda há esperança que talvez alguém que estava no aparelho de segurança da África do Sul na altura vai quebrar o silêncio, mas neste momento nós não temos respostas defintivas.