Persistência de falhas na lei eleitoral levanta críticas em Moçambique
13 de outubro de 2014
A lei eleitoral moçambicana continua instável e susceptível a erros de interpretação, de acordo com a sociedade civil. A falta de clareza quanto à presença da imprensa e de observadores no apuramento intermédio dos votos é um dos exemplos apontados. O desinteresse na confirmação dos números dos boletins de voto durante a contagem, para a exclusão daqueles vindos de outras assembleias, é outro cenário que preocupa os cidadãos, bem como a invalidação de boletins de voto no momento do apuramento dos resultados.
“Em primeiro lugar, é preciso que haja um compromisso, por parte das pessoas, de organizar e participar num processo íntegro” começa por afirmar Boris Nhamire, do Centro de Integridade Pública (CIP). Nhamire destaca “a proibição da presença de tintas no momento de contagem de votos, para impossibilitar manchas nos boletins de voto”, como um aspecto importante trazido pela lei eleitoral. No entanto, afirma, “uma coisa interessante que se pode notar é que os membros das mesas de votação pintam o cabelo no dia das eleições e, quando chega a hora de contar, tocam no seu próprio cabelo e nos boletins de voto e colocam manchas, invalidando os boletins”.
Autoridades contribuem para desconfiança
Naldo Chivite, ativista dos direitos humanos, considera que as lacunas existentes na lei contribuem para uma actuação indesejável dos principais actores dos processos eleitorais. De acordo com Chivite, a violência verificada durante a campanha e o tratamento que a Polícia da República de Moçambique e outras instituições de administração da justiça deram a estes casos sustentam a desconfiança em relação à transparência na gestão dos processos eleitorais no País.
”Temos os exemplos de Sofala, Nampula e Quelimane, que são províncias polémicas nestes processos eleitorais”, enumera o ativista, acrescentando que “a lei não está a ser aplicada como deveria ser”.
“Temos exemplos democráticos em África, onde a questão da lei eleitoral é muito bem aplicada, como a Guiné-Bissau, e São Tomé e Príncipe, que são países exemplares. Em Moçambique, a lei eleitoral está bem feita do ponto jurídico e formal, mas, em termos práticos consideramos que há atropelos, ainda”, conclui Naldo Chivite.
A Comissão Nacional de Eleições (CNE), através do seu porta-voz, Paulo Cuinica, afirma estar a fazer tudo ao seu alcance para garantir transparência nestas eleições, através de deliberações que permitem o suprimento das lacunas na lei. “Há alguns ilícitos que acontecem por falta de conhecimento da legislação”, admite Cuinica, garantindo que “isso não iliba a pessoa que comete o ilícito”.
Segundo o porta-voz da CNE, também tem havido ilícitos “por incitamento de algumas pessoas que estão por detrás desse tipo de atitudes” e “de carácter individual”, mas, garante, “estão todos na Procuradoria ou nas mãos da polícia para investigação e responsabilização dos infractores”.
Sobre as convulsões resultantes da actuação da Polícia e de outras instituições durante a votação e contagem parcial de votos, Paulo Cuinica garante que desta vez o cenário será diferente.
“Os eleitores querem ser bem servidos e nós queremos que todas as partes façam o seu máximo para não defraudar as expectativas dos eleitores. São eleições com grande interesse, quer nacional quer internacional, por isso é do interesse de todos que decorram de uma forma exemplar”, considera. Garantir transparência no acesso aos armazéns de material eleitoral constitui um dos principais desafios da CNE, para evitar desconfianças em relação aos resultados deste processo.
Aprender com os erros do passado
O Centro de Integridade Pública alerta para “fraudes e significativas alterações secretas e importantes para os resultados” que, apesar de nunca terem sido “suficientes para mudar o resultado nacional”, alteraram “o resultado em dois municípios em 2013 (…) e o número de deputados parlamentares em 2009”.
Nas assembléias de voto, diz a organização, o enchimento de urnas – utilizando dados falsos sobre a afluência e elaborando uma folha de resultados falsa ou colocando boletins de voto “extra” - e a anulação de boletins de voto válidos da oposição foram fraudes verificadas no passado em várias províncias. A anulação de boletins, exemplifica o CIP, “foi bastante grave em 2013 em Marromeu e serviu para eleger o candidato da FRELIMO como presidente do município e deu uma maioria na assembleia, quando na realidade foi o MDM quem venceu as eleições”. Um outro problema, de acordo com o CIP, é a existência de “editais alterados ou danificados”.
O CIP alerta ainda para o facto de a lei eleitoral dizer que “o apuramento nacional é baseado nos somatórios dos resultados dos apuramentos distritais, das cidades e das províncias”. No entanto, a CNE faz a sua contagem com base nos editais das assembleias de voto, sem fazer uma comparação formal com os resultados proviniciais e distritais. Ou seja, conclui a organização, “o resultado final da CNE pode ser significativamente diferente com os outros níveis”.
Combater os ilícitos
Apesar de apontar várias falhas à lei eleitoral moçambicana, o CIP identifica algumas “armas” para lutar contra a fraude durante as eleições. A remoção de qualquer tinta ou líquido dos locais onde os boletins de voto são contados para impedir a invalidação de boletins e a afixação de editais fora das assembleias de voto (que permitem a existência de contagens paralelas) são apenas dois dos exemplos.
O CIP sublinha ainda o papel dos membros de mesa de votação: de acordo com a revisão da lei, “os três principais partidos têm o direito de indicar uma pessoa como membro de mesa de votação”, para além da presença de “um observador do partido em cada assembleia de voto”, como forma de reforçar a fiscalização. Ainda assim, a dois dias do acto eleitoral, a organização revela que os partidos não foram capazes de recrutar os mais de 17 mil membros de mesa de votação previstos.