Pessimismo de jovens pode dar vantagem a partidos islâmicos na Argélia
9 de maio de 2012
Realizam-se esta quinta-feira (10.05) eleições parlamentares na Argélia. Vão estar no terreno cerca de 500 observadores internacionais. Para o presidente argelino, Abdelaziz Bouteflika, o escrutínio é uma „oportunidade para a juventude“.
Mas o ambiente pré-eleitoral é ruim, a população está insatisfeita com o aumento dos preços dos alimentos, corrupção e reformas travadas.
Aicha, por exemplo, não acredita no que os seus olhos veem. Ela está no mercado do bairro de Bab el Oued em Argel, a capital do país e olha para as placas dos preços dos legumes. As batatas e as cenouras estão agora tão caras quanto os kiwis importados. "Estamos fartos", desabafa. "Vemos muitos produtos nos mercados mas não podemos comprar, está tudo muito caro. Como podemos alimentar a família?"
Essa pergunta faz-se também Ali, que é auxiliar numa banca de vegetais com cada vez menos clientes. Está insatisfeito com a falta de trabalho e de oportunidades, tal como muitos argelinos e por isso não acredita numa forte adesão às urnas durante as legislativas.
Este vendedor conta que antes das eleições parlamentares muitos homens, de fato, vinham comprar produtos no mercado. Todos pediram votos. Mas Ali não quer ter nada a ver com política – como a maioria das pessoas aqui em Bab El Oued.
"Aqui ninguém vai votar", prevê Ali. "Os jovens querem trabalho e o governo não faz nada por eles. Faz apenas promessas vazias. Eu fiz a escola, até estudei Direito na Universidade e, apesar disso, estou aqui sentado sem fazer nada. Muitos de nós vão para a Europa, outros tentam a vida aqui no mercado, de alguma maneira temos de sobreviver", indigna-se.
Desemprego em 20%; jovens sem interesse por política
A população está frustrada. A taxa de desemprego é de 20%, segundo dados oficiais e os jovens, em particular, não veem perspectivas. E na Argélia a maioria da população tem menos de 30 anos. Os argelinos não esperam mais receber nada dos políticos que são da geração dos seus avós e que governam o país desde há 50 anos.
O poder, na Argélia, está nas mãos de grupo restrito de políticos, funcionários e generais corruptos que controla as riquezas do país como o petróleo e o gás. Por oposição, a maioria da população pouco tem.
Por isso, poucos se interessam por algum dos 44 partidos que concorrem aos 462 lugares do parlamento. Até porque a Assembleia é vista como uma espécie de associação dos poderosos, onde novas correntes têm dificuldades de entrar.
"O problema é exatamente que os jovens exigem mudanças, mas não se consegue concretizar politicamente essas exigências, que são na verdade totalmente justificadas", explica o sociólogo Nacer Djabi. "Porque não temos partidos que o consigam fazer nem políticos que o queiram. E por isso explodem os protestos: As pessoas vão para as ruas, tomam drogas ou emulam-se. Mas não há mudança porque não têm ninguem que as organize. A Argélia está num impasse e ninguém consegue dar uma solução", constata.
Partidos islâmicos tentam tirar vantagem de insatisfação
Os partidos islâmicos moderados da Argélia tentam tirar partido deste descontentamento político. Aboudgerra Soltani, da aliança política "Argélia Verde" (composta por 3 partidos) está confiante na vitória nas eleições, "desde que sejam justas e sem fraudes".
E, no final da sua campanha eleitoral, evoca o movimento de protestos populares que ficou conhecido como Primavera Árabe – e recorda a queda dos líderes Ben Ali (na Tunísia), Mubarak (no Egito) e Kadhafi (na Líbia): "A Argélia não será exceção, se os votos não levarem à mudança, se não forem a voz do povo", afirma, discursando ainda: "Fim à fraude eleitoral, à compra da vontade, fim à manipulação dos pobres! Quando as pessoas puderem escolher livremente vão escolher o Corão, o livro sagrado do Islão. E vão eleger o partido 'Algérie Verte'", acredita.
Também o partido do governo FLN do presidente Abdelaziz Bouteflika observa como está o desempenho dos partidos islâmicos – mas está seguro de que vai ganhar as eleições.
No entanto, a sondagem de opinião poderá ser polémica para o lado do governo se, como nas últimas eleições quase dois terços dos eleitores ficarem em casa, apesar da promessa de reformas do presidente. Isso pode não fazer tremer o poder, mas fará certamente refletir.
Temor de fraudes
O presidente da Frente da Justiça e do Desenvolvimento (FJD), o fundamentalista islâmico Abdallah Djaballah, manifestou, esta quarta-feira (09.05), receios de fraudes nas eleições legislativas argelinas.
Segundo Djaballah "o facto de estarem a circular alguns boletins de voto e o aumento das listas eleitorais, que representam 65% da população quando habitualmente não ultrapassam os 45%", são alguns dos sinais referidos pelo líder da FJD.
O Ministério do Interior anunciou que o número de eleitores inscritos nos cadernos eleitorais é de 21,6 milhões, numa população de 37 milhões de pessoas.
Já o partido da oposição União para a Cultura e Democracia (RCD, na sigla em Francês) apelou ao boicote do escrutínio. De acordo com o chefe dos deputados, Atmane Mazuz, o processo eleitoral "visa apenas a manutenção do 'status quo' e a continuação de um poder ilegítimo (...), é um insulto à infelicidade que oprime o povo argelino".
Às portas das eleições, a Argélia vê-se a braços com outro problema. O movimento islamita que raptou um diplomata argelino (a 5 de abril) e seis dos seus colaboradores no Sahel lançou na terça-feira (08.05) um ultimato de "menos de 30 dias" ao governo argelino para satisfazer às suas reivindicações.
O MUJAO, Movimento para a Unidade e a Guerra Santa na África Ocidental reclama a libertação de islamitas detidos no território argelino, cujo número não foi especificado, bem como um resgate de 15 milhões de euros. O MUJAO adiantou que o governo de Argel recusou, até agora, satisfazer as suas reivindicações.
Autores: Alexander Göbel (Argel), Glória Sousa (Lusa/AFP)
Edição: Renate Krieger / António Rocha